Miguel de Barros
Guinea-Bissau: a history of struggle for autonomy and the right to education
Sociologist and activist Miguel de Barros is a native of Guinea-Bissau that travels the world giving lectures and training to students and teachers.
In his interview, we have access to a lesson in the history and current context of the West African country.
Beyond the poverty and political instability generated by coups d’état in the last decades, we are offered an in-depth vision of how the autonomy of students is an essential part of education. And how this construction of students’ identity has a connection with the territory’s deep biodiversity and how it can be central to quality education.
Miguel de Barros is a Guinean sociologist and activist. Since 2012, he has served as executive director of the Guinean NGO Tiniguena, dedicated to the preservation of the environment in Guinea-Bissau. He is also co-founder of the Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral – CESAC (Guinea-Bissau) and founder of Corubal, a cooperative for the dissemination of scientific and cultural works in the country. He was elected by the Confederation of West African Youth (CWAY) the most influential personality of the year 2018, and in 2019 he received the Pan-African Humanitarian Award for Excellence in Research and Social Impact.
O sociólogo e ativista Miguel de Barros é um guineense que viaja o mundo dando palestras e formações para professores e estudantes.
Em sua conversa no penúltimo Eduquê de 2021, temos acesso a uma verdadeira aula da história e do contexto atual da Guiné-Bissau.
Para além da pobreza e da instabilidade política gerada por golpes de estado nas últimas décadas, ouvimos uma visão aprofundada sobre como a autonomia dos sujeitos de direito é parte essencial da educação. E como essa construção de identidade dos estudantes tem uma ligação com a ampla biodiversidade do território, podendo ser central para uma educação de qualidade.
Miguel de Barros é sociólogo e ativista guineense. Desde 2012, desempenha funções de diretor-executivo da ONG guineense Tiniguena, dedicada à preservação do meio ambiente na Guiné-Bissau. É também co-fundador do Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral – CESAC (Guiné-Bissau) e fundador da Corubal, cooperativa de divulgação de obras científicas e culturais no país. Foi eleito pela Confederação da Juventude da África Ocidental (CWAY) a personalidade mais influente do ano de 2018, e em 2019 recebeu o prémio humanitário Pan-Africano de Excelência em Pesquisa e Impacto Social.
ANDRESSA PELLANDA: Para falar como essas questões impactam a educação da Guiné-Bissau, está conosco o educador e ativista Miguel de Barros. Miguel de Barros, seja bem-vindo ao Eduquê.
MIGUEL DE BARROS: Obrigado, agradeço o convite.
RUI DA SILVA: As informações que normalmente temos acesso sobre a Guiné-Bissau não sou muito positivas. Por golpes de Estado, instabilidade política, greves de longa duração dos professores, por exemplo… Tendo estes aspectos em consideração, qual é a sua avaliação deste momento no país, na questão social e na educação?
MIGUEL DE BARROS: Eu não sou adepto de recortes de história e nem sou adepto da análise conjunturais. Eu gosto de olhar muito para qualquer contexto a partir de todas as dinâmicas são elementos de confluência e ao mesmo tempo que possa mostrar não só o estado em que está, mas o estado em que chegamos. Mas como é que chegamos a esse estado de coisas e como é que foi feito o percurso para o seu, como se diz no Brasil, o seu enfrentamento? Quais são as outras alternativas que existem para a Guiné-Bissau a caracterizar como um país de estabilidade, deve ser caracterizado como um país difícil, mas é pura e simplesmente um país que até 1974 só tinha 14 pessoas com ensino superior. É um país que no século 10 século 14 foi o último império daquilo que é construir os impérios pré-coloniais africanos das últimas civilizações africanas. A Guiné-Bissau é um território com mais de 33 grupos étnicos, cada qual com a sua própria historicidade e sua própria civilidade. Seu modo de estar de organizar a sociedade é também da produção das formas de ser estar, mas ao mesmo tempo a Guiné-Bissau é um território que é o segundo território mais importante da África Ocidental na concentração da biodiversidade. A Guiné-Bissau tem mais de 188 variedades de peixe, é uma potência em termos de natural hipopótamos que vivem na água doce e na água salgada. Das sete espécies de tartarugas marinhas mundiais, cinco reproduzem na Guiné-Bissau. A Guiné-Bissau tem o último território das florestas úmidas e tropicais da África Ocidental, mas a Guiné-Bissau teve um processo colonial terrível, em primeiro lugar, da própria colonização islâmica.
MIGUEL DE BARROS: Até o século 10 depois, da colonização ocidental, a Portuguesa durou mais de 500 anos e era uma colônia de exploração, não era uma colónia de investimento onde se conseguiu montar, por exemplo, uma classe média ou uma estrutura de gestão administrativa, um meio de confluência de povos que foram divididos, foram colocadas umas contra as outras, a Guiné-Bissau foi um dos países que foram condenados por Portugal, foi aquela que teve a luta de libertação mais longa, 11 anos. Portanto, é fundamental compreender a dimensão dessas dinâmicas todas, onde existiu de fato um regime de apartheid com segregação de classes sociais, de grupos onde as pessoas tinham que renegar ou renunciar forçosamente as suas identidades para serem considerados como civilizados e terem um estatuto do cidadão. Isso não é assim há tanto tempo. Isso aconteceu até os anos correntes dos anos 1950 e ao mesmo tempo é fundamental perceber que o primeiro liceu da Guiné-Bissau ou então colônia não tem cem anos, ainda portanto era difícil num contexto de fricções de guerra para chegarmos a uma independência política sem uma administração pública e com a destruição de tudo aquilo que era o modelo de Estado com que os nacionais tivessem a possibilidade de construir um pensamento. Agora o que é importante aqui é que nos primeiros 10 anos de independência a Guiné-Bissau conseguiu resultados extremamente importantes. Por exemplo, mesmo durante a primeira luta de libertação a construção da ideia de que é a educação um elemento fundamental para a libertação do homem e da mulher guineense foram construídas imensas escolas nas zonas libertadas.
MIGUEL DE BARROS: Isso permitiu com que a educação fosse o apanágio da própria independência. Nos primeiros 10 anos, dos 14 guineenses que tinham ensino superior, em 1974 depois mais de 260 tiveram acesso à formação e ensino superior. Aí começou se a formar o Estado. A descentralização de toda a estrutura nas aldeias, chamadas das bancas da montagem de um pensamento econômico que permitiu a diversificação da produção a aposta, por exemplo, na soberania alimentar. O que é importante nesse período é, se por um lado conseguiu-se de algum modo aumentar a expansão da oferta educativa, conseguiu-se de algum modo ter a capacidade de induzir a uma base para a transformação produtiva do país, ao mesmo tempo dentro do próprio processo educativo. Investiu-se num programa de descolonização. A própria educação. Foi nessa altura que pessoas como Paulo Freire estiveram na Guiné-Bissau para fazer o programa da alfabetização de adultos em língua materna. Foi nessa altura, por exemplo, como o economista brasileiro Ladislau Dowbor, eles estiveram a trabalhar sobre a questão do planeamento do sistema econômico. Foi por exemplo nessa altura que o atual secretário-geral das Nações Unidas António Guterres fez o primeiro estudo de avaliação do sistema educativo do impacto da colonização no sistema educativo, na avaliação da educação. Ou seja, esse período permitiu não só qualificar os recursos humanos mas, por exemplo, eu lembro-me da minha infância de ter estudado disciplinas como a história que tinha toda a história pré-colonial ou na questão por exemplo da escravatura.
MIGUEL DE BARROS: Toda luta de libertação e ao mesmo tempo como era missão da escola: formar o homem novo, comprometido e engajado com as transformações de seu país e influenciar essas transformações, dar o corpo e esse manifesto. Foi nessa altura que dentro o sistema educativo, por exemplo, eu aprendi a fazer um tour no sistema de ligação entre o modelo de aprendizagem e a prática, quer do ponto de vista técnico ou profissional mas também do próprio amor à terra, à nossa alimentação. Na escola não vinham de programas de ajuda pública ao desenvolvimento. Era através dos campos escolares toda a aprendizagem da música. Nós tínhamos possibilidades também de aprender todos os instrumentos tradicionais e compreender a sua simbologia. Todo o trabalho feito por exemplo em termos de ligação escola-comunidade acontecia. Mas o que é interessante é que depois dos 10 anos veio o programa de ajustamento estrutural com o Banco Mundial e FMI que disseram que esse modelo de organização do Estado tinha muitas despesas e obrigou o Estado a reduzir-se não só em termos de investimentos no sistema educativo, mas sobretudo em termos de sua própria capacidade econômica. O Estado tornou se mais pequenino, o Estado deixou de existir nas zonas rurais, foi centralizado ao nível da capital desinvestir no sistema produtivo diversificado onde havia a agricultura, fruticultura, horticultura, silvicultura, criação animal… Transformação para o país passar pura e simplesmente a fazer a monocultura de caju para exportação e pagamento de serviços de dívida. Foi nessa altura que o sistema educativo foi decapitado. Foi completamente…
MIGUEL DE BARROS: Eu lembro-me: tinha oito horas letivas na escola e depois dessa altura passamos a ter quatro horas letivas na escola em regime de turnos e disponibilizando completamente os próprios conteúdos escolares e tornando a escola mais pobre. Então nessa fase o Estado perdeu a capacidade de influenciar não só a sua economia mas também o modelo de transformação que queria adotar dentro dessa conjuntura de liberalização econômica que o país transita entre 1986 e 1991 para a liberalização democrática, ou seja, a liberalização econômica foi um elemento condicionado através das orientações das instituições de Bretton Woods, que teve como consequência o forjar uma liberalização política que não tinha nenhuma articulação com o modelo cultural e muito menos com estruturas que em vez de serem mais robustas estavam em fragilização para a transição no sistema político democrático. E lembro perfeitamente nessa altura do François Mitterrand ter advertido os países que estavam no Clube de Paris de que só os países em vias de desenvolvimento teriam apoio financeiro do Clube de Paris, aqueles que tivessem adotado a democracia eleitoral como regime político. Essas transformações num país onde a taxa de literacia muito baixa, a capacidade econômica bastante reduzida e a desestruturação da vida familiar, da vida social, em termos daquilo que seriam os modelos de gestão dos desafios que cada grupo social tinha e num contexto onde se viveu a um regime de ditadura durante décadas e ao mesmo tempo também com guerras de independência, com um regime colonial severo, torna muito difícil conseguir resultados em 50 anos de independência, e mais um país que fez uma luta de libertação não só para o próprio país, mas para um outro país também – nesse caso o Cabo Verde, cujo o regime colonial tenha usado os cabo verdianos enquanto atores da própria colonização na Guiné-Bissau, portanto é um conjunto de problemas e mais o próprio regime colonial utilizou os nativos da Guiné-Bissau como efetivos no seu comando militar, que fez a guerra contra a Guiné-Bissau e que o país independente herdou isso tudo.
MIGUEL DE BARROS: Era uma equação quase impossível. O país com um potencial de recursos naturais, mas com muitos de problemas do ponto de vista econômico, político, histórico… E com estado frágil, gerir todas essas transições… Fez com que por um lado o país fosse obrigado a tomar medidas urgentes para adaptar-se a vários contextos em transição e ao mesmo tempo isso potenciou os conflitos de outros, sobretudo no caso político-militar, que levou efetivamente à guerra civil de 1998. Agora o que é interessante é que a guerra civil entre não só as potências colonizadoras da África tiveram uma intervenção direta nesse conflito Portugal, França, mas também os países da subregião com potencial econômico e com interesses geoestratégico como Senegal e Guiné-Conacri também tiveram intervenção nesse processo. Então isso demonstra que a grande leitura que se pode fazer aqui é que o resultado da consequente estabilidade do país é um processo histórico que tem cada vez mais impactos mais acentuados na conjuntura atual que se vive explorando todas essas fraturas. Do ponto de vista étnico, do ponto de vista econômico, do ponto vista político, do ponto de vista geoestratégico, do ponto de vista histórico e ao mesmo tempo ganhando novos desdobramentos com os atores atuais, por isso eu não desligo aquilo que está a acontecer hoje com o passado.
MIGUEL DE BARROS: É um exemplo no caso da educação, o maior conflito laboral que existiu na Guiné-Bissau sempre foi o setor educativo na liberalização econômica onde se fez a maior ruptura, e o maior corte foi no setor educativo. O Estado deixou de financiar o sistema educativo na liberalização política onde houve maior tensão social foram os sindicatos de professores e em 1991, mesmo antes as primeiras eleições presidenciais foram em 94. Já se tinha começado com a fragilidade total do setor educativo a greve dos professores e nos anos 2000 no pós conflito nós tivemos dois anos de passagens administrativas porque havia greve no setor educativo os diretores não eram pagos, ao contrário dos militares, e neste momento estamos a ver exatamente com maior intensidade o impacto daquilo que é um processo decorrente da própria sociedade no sistema político e do sistema educativo na Guiné-Bissau. Há todo um contínuo e se formos ver aquilo que o Orçamento do Estado para a educação não passa muitas vezes de 8 a 10%, no máximo 12%, mas onde 99% desse orçamento é para pagamento dos salários, ou seja, não há no investimento público portanto isso gera problemas graves porque a maior parte da população tem entre 14 a 28 anos tem expectativas relativamente ao seu processo formativo e acredita-se que é através do sistema educativo da escola, em particular, que se garante a mobilidade social ascendente.
MIGUEL DE BARROS: Portanto, a escola continua a ser um elemento crítico do processo de transformação na Guiné-Bissau e continua também a ser uma pedra num processo de aquisição de todas as competências, inclusive políticas de governabilidade para transição que o país precisa. E se olharmos hoje aquilo que é a oferta educativa vamos encontrar problemas tanto em termos de qualidade como de quantidade, mas sobretudo vamos encontrar uma crise em relação àquilo que é o pensamento do sistema educativo guineense relativamente à qualificação para a administração. A qualificação para o mercado profissional mais amplo e a qualificação em relação àquilo que são as estratégias e os desafios que o país encarnam como as prioridades da sua transformação, mas sobretudo, qual a identidade do próprio pensamento educativo guineense. Estudar para quê?, se não há acesso ao mercado de trabalho e emprego, se não há por exemplo a aquisição de aptidões que faça o guineense encontrar-se enquanto cidadão a cumprir a sua missão transformadora e que não lhe aliena da sua história, da sua cultura e ao mesmo tempo que lhe dá recursos do ponto de vista político para uma ação pública que salvaguarda todos os seus direitos de cidadania. É esse problema que nós temos neste momento. Ou seja, há que olhar para o contexto global do país e definir que tipo o sistema educativo, que tipo de modelo de educação nós criamos para que esse modelo desse sistema possa responder aos desafios que o país tem.
ANDRESSA PELLANDA: Miguel fazendo um gancho com essa sua ultima frase então: qual modelo de educação que queremos? Eu queria também entender qual é o modelo de educação que o presidente atual Umaru Embaló tem para o país e como ele chegou a isso. Qual o apoio que ele tem para implementar esse modelo de educação?
MIGUEL DE BARROS: No sistema político da Guiné-Bissau o Presidente da República não tem funções executivas, nem o Presidente da República que define o modelo da governação e muito menos as políticas setoriais. Nós o regime semipresidencial. Quem define as políticas públicas é o governo, que não emana da Presidência, emana do parlamento. Eles vão a duas eleições completamente separadas e o Governo apresenta seu programa ao eleitorado durante a campanha eleitoral e sufragado. Tendo a maioria, o parlamento adota o seu programa na Assembleia. É esse programa que é executado com orçamentos do Estado anualmente para cumprir esse programa. Agora o que posso dizer é que ele estava também a dizer desde o processo de ajustamento estrutural entre 1984 e 91, onde se fez cortes efetivas dentro do sistema econômico e político e nesse caso educativo o país não pensou. Um modelo que quer adotar para a construção dos pilares do seu sistema de ensino. Aquilo que tem acontecido são programas de cooperação internacional, ora multilateral ora bilateral, que são atrelados ao programa do Governo para que houvesse algum financiamento para a implementação daquilo que são os serviços de educação. Eu teria muitas dificuldades em dizer que hoje, por exemplo, há um pensamento no sistema educativo para criar algum tipo do modelo… Isso não existe. Tem havido algum momento de experimentação mas de coisas de muita pouca duração e muito pouco impacto em função daquilo que também é o interesse de cada um dos doadores. Ora o Banco Mundial, ora o UNICEF, ora a cooperação portuguesa, ora a cooperação brasileira, ora a cooperação francesa vêm fazendo essas emendas para que o comboio possa funcionar mas sem nenhum gasto, sem nenhum vapor, sem nenhuma possibilidade, não só de gerar alguma velocidade para que pessoas cheguem ao seu destino com sentido de que fizeram uma viagem que correu bem. Essa é que é a minha descrição. Nós estamos a caminhar a um passo muito lento mas sem saber para onde vamos e nem para onde chegar. E o Presidente da República não tem nenhum tipo de papel dentro desse processo.
RUI DA SILVA: E tendo em conta este comboio, não é, usando a sua expressão, este comboio que não sabe muito bem para onde vai, e qual é o destino. Qual é o balanço que faz sobre o direito à educação na Guiné-Bissau.
MIGUEL DE BARROS: Nós temos uma situação de um sistema que produz desigualdades e reproduz várias formas de exclusão. Por exemplo, ao nível pré-escolar toda oferta educativa vem por exemplo na missão católica. Não existe dentro do Sistema Público guineense, não existe uma oferta a nível pré-escolar neste momento, mas nos anos 1980 uma das etapas mais importantes do investimento do Estado foi o nível na criação no Sistema de Acesso ao Ensino entregue ao sistema pré-escolar, quer através das ditas jardineiras infantis, como por exemplo nos internatos que acolham todas as outras pessoas que não tinham capacidade econômica ou de famílias estiveram na luta, ou são órfãos todos eles tinham acesso. Isso agora não existe. Um outro elemento fundamental é que no ensino secundário, o primário e secundário, agora ensino unificado, da primeira classe até ao sexto ano, o que é que acontece 30% das pessoas em idade escolar não consegue entrar para o sistema educativo. Ou seja, em cada 10 crianças guineenses com 6 anos de idade que é dado na entrada 3 não conseguem entrar. E o mais gritante é que dos que conseguem entrar quase metade das meninas não conseguem chegar ao nono ano por questão de desistência escolar. Condicionado por todas as fragilidades econômicas em termos de políticas de apoio social que permita, por exemplo, terem bolsas de estudo que garantam que todos tivessem acesso da mesma forma. Nós temos ainda localidades onde as crianças andam 18 quilômetros para irem à escola. Nós temos ainda o sistema de ensino onde o único sítio onde as crianças têm possibilidade de terem duas refeições quentes ao dia e dentro de uma sala de aula. Portanto, o sistema não tem garantido o acesso a todos e nem tem permitido a retenção de todos para o cumprirem pelo menos aquilo que é o ensino obrigatório. No ensino técnico profissional e no ensino superior quem tem capacidade econômica e que está lá dentro, quem paga é que só lá dentro não há nenhum estudante na Guiné-Bissau com beca (bolsa) a beneficiar-se de um programa de ação social acadêmico ou bolsa de estudo para estar a estudar na Guiné-Bissau, mas em contrapartida nós temos vários países que oferecem bolsas de estudo para que os guineenses possam estudar fora e que acabam por ser a dívida pública, e que depois não há nenhum mecanismo de retorno. Um dos casos mais escandalosos é por exemplo estudantes de medicina graduados em medicina, só em Grande Lisboa. Em Portugal, há mais médicos especialistas guineenses do que em toda a Guiné-Bissau. Mas a maior parte saíram com bolsas de estudo e com dívida para o país. Os mecanismos de cooperação existentes hoje não contribuem para o fortalecimento do sistema educativo na Guiné-Bissau, nem no conteúdo nem no contingente. Porque não é um pensamento estratégico que permita definir esse modelo para que é que as pessoas estão a ser formados vão ser formados no governo, defina por exemplo, quais são as áreas prioritárias nos próximos 10, 20, 30 anos. Quais são os setores nós precisamos ter, recursos humanos qualificados especializados e para que tipo de funções e em função disso olhar, por exemplo, onde é que nós podemos ter possibilidades de ter por exemplo formação fora do país ou então dentro do país para responder a que prazos. Enquanto isso não acontecer vamos estar sempre a atirar para uma parede para ver o que é que pega. E claro nenhum desse bairro, não vai pegar porque parede é um pré-fabricado.
ANDRESSA PELLANDA: E agora voltando um pouco para o trabalho que desenvolve na ONG Tiniguena, na qual é diretor executivo. Ela tem um princípio de privilegiar a valorização dos saberes locais e aí eu queria que você pudesse contar um pouco para gente como essa abordagem e como ela pode ser usada na educação. Nem tudo o que você já está trazendo aqui pra gente sobre o conteúdo da educação local…
MIGUEL DE BARROS: Nasceu num contexto de fragilização do Estado e a seu fundador tinha sido ele a principal do Paulo Freire na Guiné-Bissau, Augusto Henriques, e participou de várias campanhas de alfabetização em língua materna no interior da Guiné-Bissau e indução, por exemplo, da Escola do Campo, a escola agrícola, mas também a questão por exemplo da construção de toda a memória do processo educativo a partir da própria identidade. No caso das culturas e da participação das comunidades na construção desse conteúdo e qual a Tiniguena emerge em 1991. O objetivo era mobilizar e dar suporte às comunidades da base, as comunidades do mundo rural, e isso permitindo-lhe ligar a questão do ambiente ao meio ambiente, como se diz no Brasil. A questão da agricultura familiar camponesa, do associativismo comunitário e do processo de participação para uma construção da cidadania ativa e plena… Então a educação não é um setor de intervenção para educação, acaba por ser um instrumento que está em todos os processos de intervenção e no pós-conflito de 1999 compreendemos que essa intervenção devia ser expandida inclusive a às zonas urbanas inclusive na capital e não só no mundo rural. E aí nós acrescentamos mais dois pilares, ou seja, se por um lado nós tínhamos a questão do ambiente e a participação comunitária nós trouxemos a questão da soberania econômica que teria toda essa articulação também com a valorização socioeconômica dos produtos da biodiversidade, dos saberes locais de produção da agricultura familiar camponesa e a questão da educação ambiental para a cidadania, e nisso nós fomos trabalhando com três grupos fundamentais: primeiro são os agricultores familiares, depois as mulheres e depois os jovens. Mas já com as situações do pós-conflito também viemos acrescentar um outro elemento que é trabalhar com os decisórios através da monitorização de políticas públicas de formulação de propostas porque o nosso sistema constitucional dá a possibilidade à sociedade civil, em terem iniciativas legislativas pode se fazer projetos de lei no qual submeteu diretamente ao Parlamento, para o Parlamento aprovar e ver se esses elementos depois permitem também melhorar ou dar maior robustez às políticas públicas.
MIGUEL DE BARROS: Foi desse modo por exemplo que foi adotado na Guiné-Bissau a política de educação ambiental. Foi uma iniciativa da sociedade e não do governo. Foi assim que se avançou para a criação por exemplo da Lei da avaliação de impacto ambiental e de várias outras propostas que vieram mostrar-se vida que permitiu trazer uma perspectiva muito mais impactante em termos de elaboração de políticas públicas para nós. A educação acaba por ser o meio e uma ferramenta para produção da sociedade que nós desejamos uma sociedade que conheça sua história que valoriza a sua biodiversidade e coloca os homens e as mulheres no centro da transformação socioeconômica. E com capacidade de promover uma governança que garanta a paz, que garanta harmonia, a coesão e que permita o país conservar a sua própria soberania e a intervenção e a missão da Tiniguena.
RUI DA SILVA: Miguel, obrigado por esta perspectiva e por nos falar desta historicidade da Guiné-Bissau do sistema educativo e da própria sociedade para percebermos melhor que negamos estas notícias que muitas vezes nos chegam da Guiné-Bissau. E agora, um pouco do tamanho do trabalho que faz na Tiniguena e tendo por base esta experiência já de muitos anos, que conselho é que pode dar aos que estão na linha da frente da educação.
MIGUEL DE BARROS: Eu não daria conselhos, eu sou mais da linha de que hoje é impossível pensar qualquer processo de transformação a partir de uma perspectiva horizontal, de topo para a base. Eu acredito em processos participativos e elaboração de qualquer política pública sem os atores que estão na sua implementação, sem os atores que serão beneficiários dessas políticas, é algo surreal. Hoje eu acredito que tem que haver não só uma reforma do Estado nos contextos africanos mas tem que haver também uma reinvenção de um sistema educativo que permita criar coerência em todo o processo de sua elaboração, mas também correspondência em termos daquilo que são as expectativas e necessidades da própria sociedade. Por exemplo, nós temos um calendário educativo que é completamente igual ao calendário educativo na Europa, em Portugal, não faz sentido por já não temos as mesmas estações climáticas, não temos o mesmo calendário cultural, e ao mesmo tempo não temos a mesma base de produção econômica. Eu posso dar dois, três exemplos no período onde há maior disponibilidade de produção para a geração de renda na Guiné-Bissau que vai de fevereiro a maio, abertura onde nós temos a campanha de castanha de caju, que é o maior produto de renda da Guiné. E corresponde a 96% da exportação da Guiné-Bissau. Nós temos aulas quando toda a comunidade nas zonas rurais estão nos carvoeiros. Não faz sentido. Ou seja, a escola não pode competir com a geração de renda que é o principal sustento das famílias. Se a escola não se adaptar a esse calendário econômico, posso dar outro exemplo, na altura de maio temos a maior parte dos grupos étnicos que professam a religião de matriz africana, estão nos rituais de transição de classes ou então de transição da alma da vida dos vivos para os mortos espirituais.
MIGUEL DE BARROS: O que é que acontece? A aula. Há um conflito enorme também nessas zonas, mas nós temos por exemplo outros grupos e as estruturas de religião os débitos foram analisados que em meados da época de junho e julho estão com os rituais de iniciação à altura dos exames nas escolas. Portanto acabe com isso, mas depois temos férias de Natal, temos férias de Páscoa, quando por exemplo a religião católica tem só 10% da população a acolher isso. Nós temos um país excecionalmente agrícola, sete meses de chuva, terra plana, temos a produção do quase tudo e não há faculdade da agricultura, não há o ensino da agricultura dentro do nosso sistema educativo. Posso dar outro exemplo. A Guiné-Bissau é um país que tem vários patrimônios culturais, o kora, por exemplo, tina, balafon são os instrumentos artesanais tradicionais de diferentes grupos étnicos. Eu não gosto de fazer associação. Uns dizem que é como se fosse a harpa. Eu não gosto de fazer história. Kora é kora. bambolon é bambolon, balafon é balafon. Outro dia vi alguém dizer também que é um xilofone africano, não é. É balafon. Mas isto tudo não é ensinado na escola. Nós temos por exemplo escritores belíssimos. Abdulai Sila tem uma trilogia, um romance que foi considerado como um dos 100 livros mais importantes em África do século, mas nenhum escritor guineense é ensinado nas escolas públicas da Guiné-Bissau
RUI DA SILVA: Inclusive no décimo segundo ano ensinam o Saramago, não é?
MIGUEL DE BARROS: Exato. E mas nós temos um dos maiores cineastas da Guiné-Bissau e da África: o Flora Gomes. Ninguém pode aprender nada sobre o Flora dentro do sistema educativo guineense. Portanto é um sistema que é projetado para fora e que não tem nenhuma viabilidade porque não impacta na vida das pessoas. Isso tudo teria que ser transformar, mas temos que pensar a missão no sistema educativo a profissionalização no sistema educativo, a identidade, o sistema educativo, o acesso ao sistema educativo, a qualidade o sistema educativo e as suas funcionalidades e depois, como é que financiamos esse sistema? Não através da cooperação internacional. Pode complementar, mas não pode ser elemento central do seu financiamento e ao mesmo tempo, como é que esse sistema permite com que a questão da investigação seja um elemento estruturante que permita cada vez mais ter uma capacidade proativa na projeção do próprio pensamento em torno do sistema educativo. Isso não pode ser feito hoje só com instituições públicas que servem ao Estado. Isso tem que ser uma ampla discussão da sociedade. Isso tem que ser com a participação de vários atores formais, não formais, públicos e privados, não estatais, comunitários para que se chegue a um mínimo de consenso naquilo que por exemplo nos próximos 10, 20 e 30 anos será a linha orientadora para intervenção no sistema educativo da Guiné-Bissau. É nisso que eu acredito e também que eu estou disponível, ali participando.
ANDRESSA PELLANDA: Acreditamos em princípios e valores e objetivos para o nosso país muito parecidos que no Brasil, também estamos em lutas parecidas ainda que com contextos e histórias e situações totalmente diferentes. E foi um prazer enorme, Miguel, poder ter conhecido um pouco melhor de você do seu trabalho. Foi uma generosidade imensa de poder estar conosco dialogando e trazendo dessa sabedoria de construção de um país, de construção de uma soberania e de um modelo educacional que seja profundamente freireano para todos que seja construído a partir da Guiné-Bissau para a Guiné-Bissau. Então é uma alegria enorme muito obrigada pela sua presença pela sua colaboração aqui e fica o convite para estar conosco também mais continuamente na Rede Lusófona pelo Direito à Educação, com os outros companheiros dos países que têm a língua portuguesa. Mesmo que pouco em cada um dos países mais que é onde a gente se encontra em comum.
MIGUEL DE BARROS: O Paulo Freire dizia que o verdadeiro pedagogo da revolução era Amílcar Cabral. Para além de ter escrito as teorias sobre o processo de libertação, ele encarnou isso através do processo de luta e libertação, mas reconstruindo todo o processo educativo. Por isso também o legado que ambos nos deixa é para continuar a não só investir nessa crença mas levantando-a. E projetar nesses desafios de colocar aquilo que são as necessidades e os sonhos do nosso tempo.
RUI DA SILVA: Por isso estarmos juntos Miguel, muito obrigado. Você pode conhecer mais sobre a organização Tiniguena em tiniguenagb.org. A transcrição desse episódio está disponível no site da Campanha e, traduzida para o inglês, no site freshedpodcast.com.
ANDRESSA PELLANDA: To talk about how these issues impact education in Guinea-Bissau, educator and activist Miguel de Barros is with us. Miguel de Barros, welcome to Eduquê.
MIGUEL DE BARROS: Thank you, I appreciate the invitation.
RUI DA SILVA: The information that we normally have access to about Guinea-Bissau is not very positive. Because of coups d’état, political instability, long-term strikes by teachers, for example… Taking these aspects into consideration, what is your assessment of this moment in the country, in the social issue and in education?
MIGUEL DE BARROS: I am not a fan of history clippings, nor am I a fan of conjunctural analysis. I like to look very much at any context from all the dynamics are elements of confluence and at the same time that can show not only the state in which it is, but the state in which we arrived. But how did we get to this state of affairs and how was the path taken for its, as we say in Brazil, confrontation? What other alternatives are there for Guinea-Bissau to be characterized as a country of stability, it should be characterized as a difficult country, but it is purely and simply a country that until 1974 only had 14 people with higher education. It is a country that in the 10th century, 14th century was the last empire of what is to build the pre-colonial African empires of the last African civilizations. Guinea-Bissau is a territory with more than 33 ethnic groups, each with its own historicity and its own civility. Their way of organizing society is also the production of ways of being, but at the same time Guinea-Bissau is a territory that is the second most important territory in West Africa in the concentration of biodiversity. Guinea-Bissau has more than 188 varieties of fish, it is a powerhouse in terms of the natural hippopotamus that lives in freshwater and saltwater. Of the world’s seven species of sea turtles, five breeds in Guinea-Bissau. Guinea-Bissau has the last territory of the humid and tropical forests of West Africa, but Guinea-Bissau has had a terrible colonial process, first of all from Islamic colonization itself.
MIGUEL DE BARROS: Until the 10th century after the Western colonization, the Portuguese colonization lasted more than 500 years and it was an exploitation colony, it was not an investment colony where you could set up, for example, a middle class or an administrative management structure, a means of the confluence of peoples that were divided, they were set against each other, Guinea-Bissau was one of the countries that were condemned by Portugal, it was the one that had the longest liberation struggle, 11 years. So it is fundamental to understand the dimension of all these dynamics, where there was in fact an apartheid regime with segregation of social classes, of groups where people had to renege or forcibly renounce their identities to be considered as civilized and have a citizenship status. That hasn’t been the case for so long. This happened up until the current years of the 1950s and at the same time it is fundamental to realize that the first high school in Guinea-Bissau or then the colony is not even a hundred years old, so it was still difficult in the context of war frictions to reach political independence without a public administration and with the destruction of everything that was the state model with which the nationals had the possibility to build a thought. Now what is important here is that in the first 10 years of independence Guinea-Bissau achieved extremely important results. For example, even during the first liberation struggle, the construction of the idea that education is a fundamental element for the liberation of Guinean men and women, a lot of schools were built in the liberated areas.
MIGUEL DE BARROS: This allowed education to be the appanage of independence itself. In the first 10 years, of the 14 Guineans who had higher education, in 1974 more than 260 had access to training and higher education. That’s when the state began to form. The decentralization of the whole structure in the villages, the calling of the stalls of the assembly of an economic thought that allowed the diversification of production and the bet, for example, on food sovereignty. What is important in this period is, if on the one hand, it was possible to somehow increase the expansion of the educational offer, it was also possible to somehow have the capacity to induce a basis for the productive transformation of the country, at the same time within the educational process itself. There was the investment in a decolonization program. Education itself. It was at that time that people like Paulo Freire were in Guinea-Bissau to do the mother tongue adult literacy program. It was at that time, for example, like the Brazilian economist Ladislau Dowbor, they were working on the issue of planning the economic system. It was for example at that time that the current secretary-general of the United Nations António Guterres did the first evaluation study of the educational system of the impact of colonization on the educational system, on the evaluation of education. In other words, this period made it possible not only to qualify human resources but, for example, I remember in my childhood studying subjects such as history, which had all the pre-colonial history or the issue, for example, of slavery.
MIGUEL DE BARROS: Every liberation struggle and at the same time how it was the mission of the school: to form the new man, committed and engaged with the transformations of his country and to influence these transformations, to give the body and this manifesto. It was then that within the educational system, for example, I learned to take a tour in the system of the connection between the learning model and the practice, whether from a technical or professional point of view but also from the very love for the land, for our food. In school, they were not coming from public development aid programs. It was through the school camps all the learning of music. We were also able to learn all the traditional instruments and understand their symbology. All the work done for example in terms of school-community liaison was happening. But what is interesting is that after the 10 years came the structural adjustment program with the World Bank and the IMF, who said that this model of state organization had too many expenses and forced the state to reduce itself not only in terms of investments in the educational system but above all in terms of its own economic capacity. The state became smaller, the state ceased to exist in the rural areas, it was centralized at the level of the capital, disinvesting in the diversified productive system where there was agriculture, fruit farming, horticulture, forestry, animal husbandry… Transformation for the country to move purely and simply to cashew monoculture for export and debt service payment. It was then that the educational system was decapitated. It was completely…
MIGUEL DE BARROS: I remember: we had eight teaching hours at school, and after that we went to having four teaching hours at school in shifts and making the school content itself completely available and making the school poorer. So in this phase, the state lost the ability to influence not only its economy but also the transformation model that it wanted to adopt within this conjuncture of economic liberalization that the country transitioned between 1986 and 1991 to democratic liberalization, that is, economic liberalization was a conditioned element through the guidelines of the Bretton Woods institutions, which had as a consequence the forging of a political liberalization that had no articulation with the cultural model and much less with structures that instead of being more robust were being weakened for the transition into the democratic political system. And I remember perfectly at that time François Mitterrand warning the countries that were in the Paris Club that only developing countries would have financial support from the Paris Club, those that had adopted electoral democracy as their political regime. These transformations in a country where the literacy rate was very low, the economic capacity quite low, and the destructuring of family life, of social life, in terms of what would be the models for managing the challenges that each social group had, and in a context where we lived under a dictatorship regime for decades and at the same time also with wars of independence, with a harsh colonial regime, makes it very difficult to achieve results in 50 years of independence, plus a country that made a liberation struggle not only for its own country, but for another country as well – in this case Cape Verde, whose colonial regime used the Cape Verdeans as actors in the colonization of Guinea-Bissau itself, so it’s a set of problems, and plus the colonial regime itself used the natives of Guinea-Bissau as personnel in its military command, which made the war against Guinea-Bissau, and the independent country inherited all that.
MIGUEL DE BARROS: It was an almost impossible equation. The country with the potential of natural resources, but with many problems from an economic, political, historical point of view. And with a fragile state, managing all these transitions. It meant that on the one hand the country was forced to take urgent measures to adapt to various contexts in transition, and at the same time this potentiated the conflicts of others, especially in the political-military case, which effectively led to the civil war of 1998. Now what is interesting is that the civil war between not only the colonizing powers in Africa had a direct intervention in this conflict, Portugal and France, but also the countries in the sub-region with economic potential and geostrategic interests such as Senegal and Guinea also had an intervention in this process. So this shows that the great interpretation that can be made here is that the result of the country’s consequent stability is a historical process that is having more and more accentuated impacts in the current situation that is being lived out by exploring all these fractures. From the ethnic point of view, from the economic point of view, from the political point of view, from the geostrategic point of view, from the historical point of view, and at the same time gaining new developments with new players, that’s why I don’t disconnect what’s happening today from what happened in the past.
MIGUEL DE BARROS: It’s an example in the case of education, the biggest labor conflict that existed in Guinea-Bissau was always the educational sector in the economic liberalization where the biggest rupture was made, and the biggest cut was in the educational sector. The state stopped financing the educational system in the political liberalization where there was the greatest social tension was the teachers’ unions and in 1991, even before the first presidential elections were in 1994, the teachers’ strike had already started with the total fragility of the educational sector, and in the 2000s, after the conflict, we had two years of administrative changes because there were strikes in the educational sector, the directors were not paid, unlike the military, and right now we are seeing with greater intensity the impact of what is a process that is a result of society itself in the political system and the educational system in Guinea-Bissau. There is a whole continuum, and if we look at the state budget for education, it is often no more than 8 to 10%, at most 12%, but 99% of this budget is for the payment of salaries, that is, there is no public investment, so this creates serious problems because the majority of the population between 14 and 28 years of age has expectations regarding their educational process, and it is believed that it is through the educational system, the school in particular, that upward social mobility is guaranteed.
MIGUEL DE BARROS: So, school continues to be a critical element of the transformation process in Guinea-Bissau and also continues to be a cornerstone in a process of acquiring all the skills, including political skills of governance for a transition that the country needs. And if we look today at the educational supply, we will find problems both in terms of quality and quantity, but above all, we will find a crisis in relation to the thinking of the Guinean educational system concerning qualification for administration. The qualification for the wider professional market and the qualification in relation to the strategies and challenges that the country embodies as priorities for its transformation, but above all, what is the identity of the Guinean educational system itself. Studying for what? if there is no access to the labor market and employment, if there is not, for example, the acquisition of skills that make the Guinean citizen find himself as a citizen to fulfill his transforming mission and that does not alienate him from his history, from his culture and at the same time give him resources from a political point of view for a public action that safeguards all his citizenship rights. This is the problem we have at the moment. In other words, we have to look at the global context of the country and define what kind of educational system, what kind of model of education we create so that this model of this system can respond to the challenges that the country has.
ANDRESSA PELLANDA: Miguel, taking a hook from your last sentence: what model of education do we want? I would also like to understand what model of education the current president Umaru Embaló has for the country and how he arrived at this. What support does he have to implement this model of education?
MIGUEL DE BARROS: In Guinea-Bissau’s political system, the President of the Republic does not have executive functions, nor does the President of the Republic define the governance model, much less sectoral policies. We have a semi-presidential regime. Who defines the public policies is the government, which does not emanate from the Presidency, it emanates from the parliament. They go to two completely separate elections and the government presents its program to the electorate during the election campaign and is voted in. Having a majority, the parliament adopts its program in the Assembly. It is that program that is executed with state budgets annually to fulfill that program. Now what I can say is that he was also saying since the structural adjustment process between 1984 and 91, where effective cuts were made within the economic and political system and in this educational case the country did not think. A model that it wants to adopt for building the pillars of its education system. What has happened are international cooperation programs, either multilateral or bilateral, that are linked to the government’s program so that there would be some funding for the implementation of what are the education services. I would have a hard time saying that today, for example, there is a thought in the educational system to create some kind of model… That doesn’t exist. There has been some experimentation, but of very short duration and with very little impact, depending on what is also the interest of each of the donors. Now the World Bank, UNICEF, Portuguese cooperation, Brazilian cooperation, and French cooperation have been making these amendments so that the train can work but without any expense, without any steam, without any possibility, not only to generate some speed so that people arrive at their destination with the sense that they have made a trip that went well. That is my description. We are moving at a very slow pace but without knowing where we are going or where we are going. And the President of the Republic has no role of any kind within this process.
RUI DA SILVA: And considering this train, it is not, to use your expression, this train that doesn’t know very well where it is going, and what the destination is. What is your assessment of the right to education in Guinea-Bissau?
MIGUEL DE BARROS: We have a system that produces inequalities and reproduces various forms of exclusion. For example, at the pre-school level, the entire educational offer comes, for example, from the Catholic mission. It does not exist within the Guinean Public System, there is no offer at the pre-school level at this time, but in the 1980s one of the most important stages of investment by the State was the level in the creation in the System of Access to Education delivered to the pre-school system, either through the so-called kindergartens, as for example in the boarding schools that took in all the other people who did not have economic capacity or from families were in the struggle, or are orphans they all had access. That doesn’t exist now. Another fundamental element is that in secondary education, primary and secondary school, now unified education, from the first grade to the sixth grade, what happens is that 30% of people of school age cannot get into the education system. That is, for every 10 Guinean children of 6 years of age that are given at the entrance 3 fail to get in. And the most glaring thing is that of those who manage to get in, almost half of the girls do not make it to ninth grade because of school dropouts. Conditioned by all the economic frailties in terms of social support policies that would allow, for example, to have scholarships that would guarantee that everyone would have access in the same way. We still have localities where children walk 18 kilometers to go to school. We still have the education system where the only place where children have the possibility to have two hot meals a day and inside a classroom. Therefore, the system has not guaranteed access to all, nor has it allowed the retention of all to fulfill at least what is compulsory education. In technical vocational education and in higher education those who have the economic capacity and who are inside, who pay is that only inside there is no student in Guinea-Bissau with scholarship benefiting from an academic social action program or scholarship to be studying in Guinea-Bissau, but on the other hand we have several countries that offer scholarships for Guineans to study abroad and that end up being the public debt, and then there is no mechanism of return. One of the most scandalous cases is for example medical students graduating in medicine in Greater Lisbon alone. In Portugal, there are more Guinean medical specialists than in all of Guinea-Bissau. But most of them left on scholarships and with debt for the country. The cooperation mechanisms that exist today do not contribute to the strengthening of the educational system in Guinea-Bissau, neither in content nor in contingent. Because there is no strategic thinking that allows us to define that model for which people are being trained in the government, define for example, which are the priority areas for the next 10, 20, 30 years. What sectors do we need to have, specialized qualified human resources for what type of functions and, based on this, look, for example, at where we may have the possibility of having training outside the country or within the country to respond to what deadlines. As long as this doesn’t happen we will always be throwing ourselves against a wall to see what will happen. And of course none of this neighborhood is going to stick because a wall is a prefabricated building.
ANDRESSA PELLANDA: And now back to the work you do at the NGO Tiniguena, where you are the executive director. It has a principle of favoring the valorization of local knowledge, and I would like you to tell us a little bit about this approach and how it can be used in education. Not everything that you are already bringing here to us about the content of local education…
MIGUEL DE BARROS: It was born in a context of the weakening of the state, and its founder had been the main Paulo Freire in Guinea-Bissau, Augusto Henriques, and participated in several campaigns of mother-tongue literacy in the interior of Guinea-Bissau and induction, for example, of the Escola do Campo, the agricultural school, but also the question, for example, of the construction of the whole memory of the educational process from the identity itself. In the case of cultures and the participation of communities in the construction of this content and which Tiniguena emerges in 1991. The objective was to mobilize and give support to the base communities, the communities in the rural world, and this allowed it to link the issue of the environment to the environment, as we say in Brazil. The issue of peasant family farming, community associativism, and the process of participation for the construction of active and full citizenship… So education is not an intervention sector for education, it ends up being an instrument that is in all intervention processes, and in the post-conflict of 1999 we understood that this intervention should be expanded to the urban areas, including the capital, and not only in the rural world. And then we added two more pillars, that is, if on the one hand we had the issue of the environment and community participation, we brought the issue of economic sovereignty that would also have all this articulation with the socioeconomic valuation of biodiversity products, of the local knowledge of the production of peasant family agriculture, and the issue of environmental education for citizenship, and in this we were working with three fundamental groups: first the family farmers, then the women, and then the young people. But already with the post-conflict situations we have also added another element that is to work with the decision-makers by monitoring public policies and formulating proposals, because our constitutional system gives the possibility to civil society, in having legislative initiatives, to make bills that are submitted directly to the Parliament, for the Parliament to approve and see if these elements then also allow to improve or give more robustness to the public policies.
MIGUEL DE BARROS: This is how, for example, the environmental education policy was adopted in Guinea-Bissau. It was an initiative of society, not of the government. This is how we advanced to the creation, for example, of the Environmental Impact Assessment Law and several other proposals that have come to life that have brought a much more impactful perspective in terms of public policymaking for us. Education ends up being the means and a tool for the production of the society we want – a society that knows its history, that values its biodiversity, and puts men and women at the center of the socio-economic transformation. And with the capacity to promote governance that guarantees peace, that guarantees harmony, cohesion, and that allows the country to preserve its own sovereignty and Tiniguena’s intervention and mission.
RUI DA SILVA: Miguel, thank you for this perspective and for telling us about this historicity of Guinea-Bissau’s education system and society itself so that we can better understand that we deny this news that often comes to us from Guinea-Bissau. And now, a little bit from the size of the work that you do in Tiniguena and based on this experience of many years, what advice can you give to those on the front lines of education?
MIGUEL DE BARROS: I wouldn’t give advice, I am more of the opinion that today it is impossible to think of any transformation process from a horizontal, top-down perspective. I believe that participative processes and the elaboration of any public policy without the actors that are in its implementation, without the actors that will be the beneficiaries of these policies, is something surreal. Today I believe that there has to be not only a reform of the State in African contexts, but also a reinvention of an educational system that allows for the creation of coherence throughout the elaboration process, but also correspondence in terms of what the expectations and needs of society itself are. For example, we have an educational calendar that is completely the same as the educational calendar in Europe, in Portugal, it doesn’t make sense because we no longer have the same seasons, we don’t have the same cultural calendar, and at the same time we don’t have the same economic production base. I can give two, three examples in the period where there is more availability of production for income generation in Guinea-Bissau that goes from February to May, the opening where we have the cashew nut campaign, which is the largest income-earning product in Guinea. And it corresponds to 96% of the export of Guinea-Bissau. We have classes when the whole community in the rural areas are in the charcoal kilns. It doesn’t make sense. In other words, the school cannot compete with the income generation that is the main sustenance of the families. If the school doesn’t adapt to this economic calendar, I can give another example, at the time of May we have most of the ethnic groups that profess religion of African matrix, they are in the rituals of class transition or else the transition of the soul from the life of the living to the spiritual dead.
MIGUEL DE BARROS: What happens? Class. There is a huge conflict also in these areas, but we have for example other groups and the structures of religion the debits have been analyzed that in the middle of the June and July season are with the initiation rituals at the height of the exams in the schools. So stop that, but then we have Christmas vacations, we have Easter vacations, when for example the Catholic religion has only 10% of the population taking that in. We have an exceptionally agricultural country, seven months of rain, flat land, we have the production of almost everything and there is no college of agriculture, there is no teaching of agriculture within our educational system. I can give another example. Guinea-Bissau is a country that has several cultural heritages, the kora, for example, tina, balafon are the traditional handcrafted instruments of different ethnic groups. I don’t like to make associations. Some say it is like the harp. I don’t like to make history. Kora is kora. bambolon is bambolon, balafon is balafon. The other day I saw someone also say that it is an African xylophone, but it is not. It is balafon. But all this is not taught in school. We have for example very beautiful writers. Abdulai Sila has a trilogy, a novel that was considered one of the 100 most important books in Africa in the century, but no Guinean writer is taught in the public schools in Guinea-Bissau
RUI DA SILVA: Even in the twelfth grade they teach Saramago, don’t they?
MIGUEL DE BARROS: Exactly. And yet we have one of the greatest filmmakers in Guinea-Bissau and Africa: Flora Gomes. Nobody can learn anything about Flora within the Guinean educational system. So it’s a system that is projected outward and has no viability because it doesn’t impact people’s lives. This would all have to be transformed, but we have to think about the mission in the educational system, the professionalization in the educational system, the identity, the educational system, the access to the educational system, the quality the educational system and its functionalities and then, how do we finance this system? Not through international cooperation. It can complement, but it cannot be a central element of its financing and, at the same time, how does this system allow the issue of research to be a structuring element that increasingly allows us to have a proactive capacity in the projection of our own thinking around the educational system. This cannot be done today only with public institutions that serve the State. This has to be a broad discussion in society. This has to be with the participation of various formal, non-formal, public and private, non-state, and community actors so that a minimum consensus can be reached on what, for example, in the next 10, 20, and 30 years will be the guideline for intervention in the Guinea-Bissau education system. That is what I believe, and that is also what I am available, participating in.
ANDRESSA PELLANDA: We believe in very similar principles and values and goals for our country as we do in Brazil, and we are also engaged in similar struggles, although in totally different contexts and histories and situations. And it was an enormous pleasure, Miguel, to have been able to get to know you a little better from your work. It was an immense generosity for you to be with us, dialoguing and bringing this wisdom of building a country, of building sovereignty, and an educational model that is deeply Freirean for all, built from Guinea-Bissau for Guinea-Bissau. So it is a great joy, thank you very much for your presence, for your collaboration here, and we invite you to be with us more continuously in the Lusophone Network for the Right to Education, with other colleagues from Portuguese-speaking countries. Even if a little in each of the countries, but that is where we find ourselves in common.
MIGUEL DE BARROS: Paulo Freire said that the true pedagogue of the revolution was Amílcar Cabral. Besides having written the theories on the liberation process, he embodied this through the process of struggle and liberation, but rebuilding the whole educational process. So also the legacy that both of them leave us is to continue not only investing in that belief but raising it up. And projecting into those challenges of putting what are the needs and dreams of our time.
RUI DA SILVA: Miguel, thank you very much. You can learn more about the Tiniguena organization at tiniguenagb.org. The transcript of this episode is available on the Campaign’s website and, translated into English, at freshedpodcast.com.
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