Sérgio Haddad
Paulo Freire Centenary: “The Educator”
To open our series celebrating the centenary of Paulo Freire, one of the greatest Brazilian educators, to be commemorated in September, Eduquê invited Sérgio Haddad, an expert on life and work of the famous educational thinker.
Professor, researcher, social activist, and doctor in History and Philosophy of Education from the University of São Paulo, Haddad published in 2019 the book “O Educador: Um Perfil de Paulo Freire” (Todavia) in which he condenses Freire’s biography regarding its main political and pedagogical achievements.
Listen to the first episode of our special series to learn little-known facts about Paulo Freire’s life, the reasons for a threatening reception expressed by reactionary groups in Brazil and the importance of concepts such as ‘esperançar’ (critical hope) and ‘inédito viável’ (untested feasibility) for education today.
ANDRESSA PELLANDA: Sergio Haddad, seja bem-vindo ao Eduquê.
SERGIO HADDAD: Muito obrigado. Obrigado pelo convite.
RUI DA SILVA: Sérgio Haddad, além de um educador e pesquisador, e de ter dado grandes contribuições ao desenvolvimento das políticas educacionais no Brasil, é autor de uma biografia sobre Paulo Freire, conforme dissemos na apresentação. Sérgio, você poderia nos contar o que lhe moveu para escrever essa biografia e também comentar sobre algum “causo” que foi interessante no processo de investigação?
SERGIO HADDAD: Primeiro, muito obrigado. É um prazer falar com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que eu acompanhei desde o início. E neste ano em particular que é o ano do centenário de Paulo Freire, que na verdade eu diria para você que eu não fiz o livro pensando no centenário e nem pensando nesse governo que vem atacando tanto o pensamento dele e sua tropa de choque. Eu, quando pensei nessa biografia – isso foi já há uns quatro, cinco anos – porque eu estava pensando em pegar um tempo livre para escrever e achei que faltava uma biografia bacana sobre o Paulo. Tem outras, claro, mais curtas outras mais pessoais, mas uma biografia que fosse completa sobre isso. Então eu apresentei um projeto em três volumes, um projeto bem ambicioso para uma editora, a Companhia das Letras, que acabou no último momento desistindo do projeto. Primeiro porque eles estavam sendo incorporados ou agregados à Penguin, a editora. Naquele momento então estavam muito inseguros ainda e achavam que não era algo que pudesse ser vendável e que tivesse viabilidade econômica. Eu deixei de lado. Aí acontece que uma parte do pessoal de lá que já me conhecia saiu e fundou a Todavia, que é uma editora nova. E logo depois que eles fundaram, eles me procuraram para aquele projeto e tal. “Você não quer pensar nisso? Talvez só com 250 páginas. Não pode passar isso porque não dá. Nós estamos começando agora e tal.” Foi aí que eu mudei um pouco a perspectiva porque a minha ideia era fazer aquela biografia mais pesada com muitos dados.
SERGIO HADDAD: Muitas citações, muitas referências, etc para algo que eu pensei que pudesse… Já naquela conjuntura de movimentos sociais, de Fora Paulo Freire, de depois de 2013… Tá bom. Olha, tem muita bobagem sendo dita sobre o Paulo Freire, então seria muito legal fazer alguma coisa que as pessoas pudessem ler assim como literatura mesmo, sem ter que interromper para ver nota: um perfil. Tanto que chama um perfil de Paulo Freire, não é uma biografia, é um perfil do Paulo Freire e as pessoas que quiserem se aprofundar, lá tem as referências e o caminho para ler os livros dele. Então é alguma coisa de conjuntura, vida pessoal e produção intelectual. Essas três coisas de maneira mais leve para a pessoa ler, assim, como se fosse um livro de literatura. E quem está iniciando no curso de Pedagogia, quem quer começar a ler Paulo Freire ou pessoas de outras áreas que queiram conhecer. Então foi esse o objetivo e eu acabei então escrevendo esse livro das 250 páginas. Acontece que o livro chegou num momento de acirramento e posições políticas. Em 2019, quando ele foi lançado, houve o acirramento das falas contra o Paulo Freire. E isso criou uma curiosidade sobre ele, e depois o centenário acabou enfim virando uma coisa muito grande. Eu não imaginava que iria ter tanto evento, tanta live. O que é muito bom porque tudo aquilo que foi dito sobre o Paulo Freire, foi atacado etc. Acabou criando uma situação reversa. As pessoas começaram a ler Pedagogia do Oprimido, a comprar livros do Paulo Freire. Cresceu muito a venda dos livros do Paulo Freire.
SERGIO HADDAD: O que significa que aumentou o interesse sobre uma outra coisa que eu acho que é importante… É que eu acho que ninguém é obrigado a gostar de Paulo Freire. Mas as pessoas têm quase que uma obrigação de conhecer o Paulo Freire pelo tamanho e pelo fato dele ser uma pessoa conhecida internacionalmente. São poucas pessoas conhecidas internacionalmente do Brasil. Acho que é muito bom o fato de que as pessoas estejam lendo sobre ele, conhecendo sobre ele, e você pode a partir do meu conhecimento dizer: “Bom, isso eu não concordo”. O que não dá para você fazer é cancelar o Paulo Freire porque ouviu falar e não porque você tenha conhecido sobre isso. Não é honesto, vamos dizer assim, intelectualmente. Bom, eu fui fazendo, conversando, fui lendo. Eu sou uma pessoa da área de Educação de Jovens e Adultos, sempre li muito Paulo Freire. Conheci ele pessoalmente, trabalhei com o método dele já lá atrás na década de 1970, e ele já tinha saído do país. Então, para mim, foi um período muito frutífero, uma rede de irrigação do Paulo Freire, de coisas que eu já tinha lido e outras coisas que eu não tinha ido. Então foi muito agradável fazer o livro. E ele é uma pessoa muito curiosa, assim como o personagem, e ele fala muito dele, conta muito da história dele, revê muito o seu passado.
SERGIO HADDAD: Tudo isso ajuda. Muitas das coisas que eu pus lá são coisas que ele falou dele mesmo e do seu passado. Claro que você precisa conferir essa informação. Vamos ver duas coisas que eu acho que foram mais curiosas, vamos ver. Primeiro é uma informação que eu não vi em lugar nenhum, com uma informação que a própria Madalena Freire me deu. Que a Elza Freire era de uma família de classe média. Ela estava sendo prometida para algum noivo, dono de uma usina de açúcar. Alguma coisa desse tamanho. E ela conheceu Paulo Freire como professor. Apesar de ele ter cinco anos menos que ela, eles se conheceram. Ele dando aula para ela e dando aula particular para um concurso. E eles se apaixonaram. Mas a mãe não queria, a família dela não queria. Então ela passou a visitar o Paulo levando mudas de roupa para a casa dele e voltava para casa. Até que um dia ela fugiu com o Paulo e se casaram, etc. E a família só veio se reaproximar do casal depois que a Madalena nasceu, celebrando o Dia do Avô e da Avó … Então isso fez da aproximação da família. Eu achei muito interessante, uma coisa nova, vão dizer um “furo”. E a outra coisa que eu li é o fato dele permanecer pernambucano, nordestino, a vida toda morando em qualquer parte do mundo. E ele tem explicações para isso. Primeiro porque ele é assim mesmo, e ele não quis se desconstruir.
SERGIO HADDAD: Em segundo lugar porque ele dizia que uma pessoa no exílio é uma pessoa que precisa ter raiz. Na hora que perde a raiz, ele fica que nem barata tonta porque não sabe se é chileno, norte-americano, suíço, africano, onde esteja. Então tendo o pé, a raiz plantada nesse brasileiro nordestino, pernambucano, que ele foi, isso lhe dava sempre a antena para que ele pudesse o tempo todo voltar às suas origens e isso se revelou em várias atitudes. Vários partes do livro, eu conto isso quando ele foi aprender inglês, por exemplo, a falar porque ele lia um inglês quando foi para os Estados Unidos e a Dona Elza falou que ele precisava aprender o inglês, afinal, ele sempre fala sobre os desafios etc e devia aprender inglês… Porque ele não queria ir para os Estados Unidos depois que ele saiu do Chile, porque é a terra do imperialismo, aquela história toda que a minha geração sempre foi muito marcada. Mas aí ele falou: “Estou aprendendo até inglês, fico falando um inglês tão nordestino que até a Elza que não sabe inglês, entende. E, depois, na Suíça, a história do Sonho de Valsa, do queijo… Todas as pessoas que vinham o visitar ele pedia coisas do Brasil, como queijo de coalho e chocolate com sonho de valsa – que é uma coisa absurda, pensando que está na Suíça, a terra do chocolate, terra do queijo. E ele: “Ah, que delícia! Queijo de coalho!”. Eu acho que essas curiosidades deixam também o texto mais leve, mais legal, curioso.
RUI DA SILVA: O primeiro capítulo de seu livro, “O educador”, fala sobre a extinção do Programa Nacional de Alfabetização, pelo governo militar, em abril de 1964, sob acusações a Paulo Freire como sendo comunista. Em 2016, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o primeiro programa suspenso por Temer foi o Brasil Alfabetizado, programa que inexiste até hoje. Um dos questionamentos feitos a Freire à época sobre seu método era, como cita em seu livro, se seria dedicado à alfabetização ou ao ensino em geral, ao que ele respondeu que sua preocupação era educar e não somente alfabetizar. Poderia comentar as relações do momento político atual, das políticas educacionais que são alvo neste e naquele momento e também o reducionismo em relação à educação que é denunciada por Freire nesse episódio e em tantos outros?
SERGIO HADDAD: Eu acho que tanto naquela época como no tempo atual a questão é tentar reduzir processos educacionais, concepções educacionais, pedagogia, ciência da educação etc. Há um problema técnico então, mesmo nos tempos atuais. Tem uma fala do Bolsonaro em que ele faz a seguinte menção criticando Paulo Freire: “Vai ver se lá no Japão o pessoal fala em consciência crítica?” O problema, meio que ele não diz isso, mas o problema é um problema técnico. Você vai lá aprender matemática, aprender japonês, aprender biologia e tal. Esse negócio de pensamento crítico ou de consciência crítica é uma bobagem e que é aquilo que na pedagogia, numa área da pedagogia que é justamente a pedagogia crítica. Você tem esta dimensão política, o que é a pedagogia crítica, em que o Freire é uma das pessoas mais relevantes nesse campo, é aquela que não separa a educação da política na política partidária, na política como poder. A educação sempre tem uma intencionalidade. Então reduzi-la à técnica e ou ao método, um método de alfabetização, e reduzi-la a uma dimensão meramente técnica. Não que o método não tenha uma dimensão política. Tem essa dimensão política que o Freire fala que pedagogia crítica traz, ela é a seguinte: olha, há uma intencionalidade política no processo educativo, está certo, você faz um sistema educacional voltado ao desenvolvimento, à formação de mão de obra, à formação técnica…
SERGIO HADDAD: Ou você considera tudo isso, mas você pensa num processo pedagógico voltado à defesa de direitos, ao respeito aos direitos humanos, e o respeito à diversidade. Então tem uma intencionalidade com a tomada de consciência sobre os problemas em que você vive. Além disso, não há um só objetivo, você tem também um método. Se você está pensando numa metodologia que você prega, a democracia prega a defesa de direitos etc… Você não pode ser um professor autoritário. Você não pode ser incoerente com aquilo que você pensa. O seu ponto de vista é método, também tem uma dimensão política. E finalmente quais são os valores que você passa quando você é educador ou educadora. Você está pensando em valorizar valores discriminatórios, valorizar valores racistas, valorizar a competitividade e valorizar a meritocracia? Ou você está pensando na convivência humana, no respeito ao outro, na individualidade do outro, no diálogo. Enfim, a política está enraizada. Eu acho. Então voltando à sua pergunta: eu acho que a questão é, portanto, reduzir a uma coisa técnica e tentar despolitizar o processo educativo. É essa a realidade. Vamos ver. Imagino eu que essa intencionalidade esteja no bojo dessas duas questões que você coloca nesses dois momentos da nossa história.
ANDRESSA PELLANDA: Sérgio queria pegar o gancho do que você está falando, sobre essa contraposição entre o que é o técnico e o que é essa educação com plenitude, e trazer para um ponto também de grupos que acham Paulo Freire uma certa ameaça. E aí eu tenho três perguntas. Você até mencionou no começo como o livro chega num momento também de mais acirramento político de ataques à figura de Paulo Freire e a sua obra. E aí eu queria te perguntar o que esses movimentos e os movimentos ultraconservadores, alguns fundamentalistas religiosos ou outros tipos de fundamentalismos, também enxergam de tão perigoso assim? Paulo Freire, na sua obra. E qual a sua visão sobre os motivos desse antagonismo, desse extremismo? Quais os caminhos que a gente teria para superá-lo? E aí trazendo uma parte do capítulo 12 do seu livro, em que você trata do período de Paulo Freire à frente da Secretaria de Educação de São Paulo, que ele fala sobre acreditar na liberdade. Então diante desse cenário, diante de tantos ataques, como a gente também pode acreditar na liberdade?
SERGIO HADDAD: Eu acho que uma coisa muito importante é que o Paulo fala muito na autonomia, porque a autonomia é parte da dimensão humana. Ele valoriza muito essa parte da dimensão humana que é a pessoa ter o direito de optar pela sua vida, tomar consciência, optar pela sua vida, fazer isso através de processos de ensino-aprendizagem. Fazer isso através do diálogo com outras pessoas, tudo isso para você construir possibilidades de mudança social. Não é uma coisa assim: eu vou estudar porque com isto eu vou ter um diploma e vou ter um emprego, eu vou ganhar dinheiro, e se eu for mais competitivo vou ganhar mais dinheiro, e por isso eu vou valorizar mais essa visão de uma educação voltada sempre ao processo individual, de crescimento individual. Ele está sempre pensando na ideia de uma consciência coletiva, de uma educação que leve a uma consciência coletiva sobre os problemas nacionais e, portanto, a tomada de consciência é uma forma de você também ganhar autonomia e poder junto com outras pessoas e moldar a sociedade de acordo com seus interesses, e com interesses da maioria. Isso incomoda porque lá em 1963, 1964, o Paulo Freire incomodava. E incomodava porque queria dar maior autonomia com o método dele. Naquela época, as pessoas que não sabiam ler e escrever não podiam votar e portanto ao ensinar as pessoas rapidamente em 40 horas, em 40 aulas, num período muito curto, tinham o seu título de eleitor. Ele conseguiu que essas pessoas ganharam mais autonomia para escolher os seus representantes.
SERGIO HADDAD: Mais do que isso: ganham também consciência sobre os problemas. Não é uma alfabetização, técnica, é uma alfabetização política. Tanto é que lá em Angicos já havia duas medidas de avaliação: uma que era a leitura e a escrita e outra que era da dimensão política. E a maioria foi melhor na dimensão política do que na dimensão da leitura e da escrita porque todos nós sabemos que 40 horas é bastante limitado para fazer um processo de alfabetização. Então, isso ia mexer com os currais eleitorais, porque as pessoas vão começar a votar de acordo com a sua consciência. E você ia por uma quantidade muito grande de pessoas nessas condições. Bom, é o que ocorre hoje. No segundo momento, aqui o Paulo escreveu um livro chamado Pedagogia do Oprimido, é uma pedagogia voltada ao oprimido, para ser voltada aos lascados, e voltada aos discriminados. Então, toda a composição da classe média que tem cabeça de elite, a parte da classe média e as elites de uma maneira geral, e se confronta diretamente com a ideia de uma pedagogia que vai ampliar a consciência política, crítica, de setores marginalizados oprimidos e como eu comentei na pergunta anterior, Paulo Freire implementou, foi coerente, ao ser secretário de Educação porque ele implementou uma gestão super democrática com a participação da comunidade, com participação dos alunos, com conselhos de alunos e pais e mestres, com descentralização não formal, a descentralização formal da secretaria, é uma descentralização efetiva, inclusive de recursos.
SERGIO HADDAD: Mudou o nome delegacias para unidades educacionais. Então, toda concepção é uma concepção descentralizada, participativa. O currículo foi um chamado aos professores para construir também projetos e currículos a partir da experiência de cada um. Então veja, isso se contrapõe diretamente ao que nós estamos vivendo hoje. A ideia de escolas civis e militares, cuja ideia é o verticalismo total, a ideia de que essa geração precisa de autoridade e não de autonomia, não é uma educação de autonomia. É uma educação para a obediência, o respeito, como se esses fossem valores que não passassem pela autonomia. As pessoas têm respeito não porque a pessoa é uma autoridade, mas têm respeito pelo valor que essa pessoa tem. Isso é o que o Freire. De uma certa forma propagou. Então, eu acho que a crítica veio um pouco nesse sentido. Tem outros motivos para o Freire, foi um dos fundadores do PT, e nessa onda de acusações do PT e do petismo, do Lula, é que ele entra no mesmo pacote, que foi secretário de educação do governo do PT, na época da Luíza Erundina, quando ela estava no PT etc. E tem outras, e tem coisas que não dá para levar em consideração. Dizem que ele não sabe escrever, umas bobagens dessa natureza que não vale a pena nem… É de quem não leu ou que leu e não entendeu nada. O problema é queimar os textos. Acho que isso está sempre nessa onda maior.
ANDRESSA PELLANDA: Ainda no tema da religião e do comunismo, poderia comentar sobre a afirmação que Paulo Freire fez à TV PUC-SP, em 1997: “Então, as leituras que fiz de Marx não me sugeriram jamais que eu deixasse de encontrar Cristo na esquina das próprias favelas. Eu fiquei com Marx na mundanidade e à procura de Cristo na transcendentalidade”?
SERGIO HADDAD: Então, tem duas coisas. A primeira é que o Paulo é um cristão, foi um cristão, seguiu a religião da mãe dele. O pai era espírita e ele acabou seguindo o catolicismo da mãe. Era um cristão e era um cristão convencido. O que eu quero dizer com isso? Ele ao longo da vida dizia assim: “Eu nunca precisei confirmar minha crença em Cristo. Por quê? Porque eu tenho fé.” Inclusive ele, muitas vezes, em diálogos com o Darcy Ribeiro, que era um amigão dele, e o Darcy era um ateu de carteirinha… Eles conversavam isso livremente e ele fala assim. “Eu nunca precisei.” E o Darcy dizia assim: “Eu tentei de todas as formas confirmar algum tipo de religiosidade e tenho certeza que depois da minha morte só vai sobrar cinzas.” Ou seja, nada. Bom, então, isso é uma coisa e eu diria que o Paulo levou isso ao extremo, porque é a visão do ser humano que ele traz em que ele leva ao longo da vida. Essa visão cristã que ele traz quando a gente fala em valores. Quais são os valores do cristianismo? Ele acreditava profundamente no ser humano, na sua amorosidade, na sua capacidade de diálogo. Nessa vocação de aprender e ensinar tudo isto vem do cristianismo dele. Quando ele fala isso de Marx, ele vai dizer: Não foram as pessoas da favela que falaram que eu tinha que ler Marx, porque eles nunca leram Marx, mas porque a realidade deles que me levou a buscar explicações sobre o porquê dessa pobreza, sobre o porquê dessa sociedade injusta, dessa forma.
SERGIO HADDAD: E eu encontrei em Marx muitas das explicações que eu gostaria. Como ele encontrou em Fanon, como ele encontrou – antes de sair do país – em Anísio Teixeira… O que é importante é o seguinte: o que ele quer dizer é “eu nunca abandonei o meu cristianismo; eu busquei a teoria que fosse necessária para explicar minha prática”. Porque o Freire nunca foi um intelectual de gabinete. Ele sempre foi uma pessoa que mesmo quando estava na universidade exercia a sua capacidade de atuação permanente e sua prática permanente, a partir da reflexão sobre essa prática. Queria buscar os teóricos para explicar o que tinha acontecido e foi muito criticado inclusive na academia quando ele voltou por ele não tem carteirinha teórica. Mas você se filia a qual corrente? Quase que vai dizer: eu sou cristão. Então agora ele se definia como um socialista, não como comunista, porque ele era muito crítico a toda a experiência comunista que nós vivenciamos e que o mundo vivenciou na antiga União Soviética. Mas ele nunca deixou de dizer que ele era um socialista e que ele era uma pessoa que queria ver uma sociedade socialista – socialista nesse sentido de justiça, de respeito aos direitos humanos, às individualidades. Nesse sentido ele sempre foi muito claro. Então eu acho que tem a ver com essa explicação: Meus diálogos com Marx nunca me fizeram abandonar meus diálogos com Cristo. Foi a forma como ele se expressou durante esse período todo, e foi cobrado.
ANDRESSA PELLANDA: E já que a gente está em frase célebre de Paulo Freire, está mais uma aqui. “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. O “ninguém educa ninguém” é até mesmo o título de um dos capítulos de seu livro, em que trata da produção intelectual do autor em meio ao exílio. O mundo mudou um tanto desde que Freire construiu seu legado, especialmente em relação à intensificação da globalização, permeada pelos avanços tecnológicos e por um mundo cada vez mais conectado inclusive pelas redes sociais, um processo cheio de potências e também de riscos, até para a construção de nossas sociedades e para a democracia. Quais pistas Paulo Freire deixou para podermos lidar com essas transformações?
SERGIO HADDAD: Eu acho que é no núcleo do pensamento dele, vamos dizer, onde a gente encontra as linhas gerais para poder enfrentar o tempo presente. Eu acho interessante porque posso estar enganado mas olhando textos do Paulo Freire com relação à comunicação e comunicação de massa, desde o meio é a mensagem, aquela ideia de você ter uma emissão e a partir daí então a recepção está dada, e vem sendo gradativamente questionada. Esse tipo de pensamento às vezes… Fico vendo os detalhes, por exemplo, eu não só estou começando a mexer com o Instagram agora, estou postando algumas coisas, e vejo algumas coisas interessantes. Por exemplo, eu não sei fazer mais perguntas. “Você amanheceu bem hoje: sim ou não? Ou você acha que… Comente comigo, tal… O que é isso? Passar para além das mensagens e comentários sobre aquela mensagem que você faz numa tentativa de avançar um diálogo e na ideia de quando eu vejo as redes de televisão, de repente, não é só a pesquisa de mercado que precisa de audiência. Essas coisas são importantes, mas quando vejo nos jornais, por exemplo, vamos ouvir agora os comentários dos nossos telespectadores. E projeta na tela, fulano de tal diz isso, ou fulano de tal diz aquilo. É uma tentativa de aproximação também do receptor. Qual é a reação desse receptor em relação ao que eu falo? Não é um diálogo ainda, é claro, portanto, que a modernização tem trazido processos também baseados em novas tecnologias que nem sempre caminham por aquela ideia dos centros de cultura, o diálogo construído nesses centros de cultura, do pensamento coletivo, etc. Mas a gente vem usando a tecnologia para fazer coisas como essa aqui [podcast], por exemplo, em que gradativamente você vai fazendo perguntas, dialogando. Inclusive reuniões de família, o cara vai lá com o Zoom e vê o neto, conversa com um, com o outro, que é uma tentativa de humanizar essas tecnologias. Sair dessa objetividade técnica para entrar numa subjetividade humana, nessa ideia de você construir pensamento a partir dessa aproximação. Se a gente conseguir conseguir essa tecnologia, dessa forma, eu acho que a influência do Freire é muito presente para nós, que vemos Paulo Freire mais como um filósofo, um inspirador. Você tenta trazer para o aqui e agora esse núcleo básico que é: acreditar que as pessoas possam através da aprendizagem, do diálogo, do ensino, construir novos conhecimentos. O que não quer dizer que os professores não precisam se preparar. Não é um bate-papo, tomar café na esquina… Não. Está lá em Pedagogia da Autonomia, o educador precisa se preparar para o seu diálogo, mas precisa respeitar o saber feito daquelas pessoas. Aquilo que eles trazem de bagagem para o trabalho. Então, eu acho que essa aproximação é importante. Não vai ter saída para os nossos alunos no retorno às aulas se a gente não tiver disposição de ver quais foram as aprendizagens desses alunos. O que eles aprenderam, o que sentiram… Qual foi a experiência de morte, de vida, que eles viveram? De perda de parentes, etc. Isso a tecnologia não vai resolver, ela pode apoiar algumas coisas, mas ela não resolve. Então não adianta pensar apenas que ela é um processo de distribuição de informação, ou de fake news, ela é uma coisa nova que deve ser usada de acordo com o que você compreende sob o ponto de vista do seu pensamento pedagógico. Para mim, Freire está batendo o tempo todo nessa reflexão sobre como superar as condições que a gente está vivenciando na conjuntura atual.
RUI DA SILVA: Voltando a Paulo Freire: “Um dia este país há de se tornar menos feio. Ninguém nasceu para ser feio. Este país será mais bonito na medida em que a gente lutar com alegria e com esperança […] o que muda é o jeito de brigar”, disse uma vez Freire em depoimento à ONG CENPE. Diante da situação do país e também do mundo, qual seria seu conselho, enquanto agora conhecedor mais íntimo de Freire, para quem está na linha de frente da educação e da transformação social?
SERGIO HADDAD: Esse pensamento dele em relação à boniteza tem a ver com a ideia da amorosidade. Não é no sentido estético. Tem a ver com a amorosidade, com a alegria, com respeito ao outro. Mas também com as condições físicas. Quando ele estava na secretaria de educação, ele dizia que as escolas precisam ser bonitas. Acolhedoras, não luxuosas, mas para que os alunos se sintam bem. Essa boniteza do mundo. Eu diria para você o que o Freire me ensina para o momento atual… Tem várias coisas, mas algumas se combinam. Primeiro, a utopia. A ideia de você ter um projeto, que está diretamente ligada à ideia do ‘esperançar’. ‘Esperançar’, tão repetido, é a ideia de você ir atrás. Não é o esperar, aguardar para que as coisas aconteçam. “Ah, eu espero que o mundo um dia melhore.” No esperançar, ficaria: “Eu espero que um dia o mundo melhore e eu vou fazer de tudo para que isso ocorra”. Essas duas coisas à ideia de você, a partir do conhecimento feito, a partir do que nós aprendemos, a nossa luta é, olhando o projeto, a utopia, é buscar o inédito viável, que é um outro conceito dele muito importante. É aquilo que nunca foi feito, que possa trazer um caminho para chegar nessa visão utópica de sociedade. Não é uma grande coisa. São as luzes, na escuridão, onde é que estão as luzes? Onde você identifica uma luta, um caminho que você acredita que joga água no moinho da sua utopia? Quais são as lutas que estão ocorrendo? Para mim, por exemplo, toda a mobilização das jovens mulheres negras que vem ocorrendo nos últimos anos são inéditos viáveis. São formas de você construir o seu caminho de maneira a construir uma sociedade mais justa, mais igualitária. Toda essa diversidade que está surgindo. Esse respeito às orientações de toda a natureza… Fazem com que, gradativamente, as situações vão se tornando situações de respeito e de normalidade que são inéditos. O bonito da natureza humana é a sua diversidade, como é que você faz para aprender com essa diversidade? Acho que esses inéditos vão sendo gradativamente construídos. Eu participei de uma live sobre Paulo Freire, muito interessante. Uma das participantes utilizou a figura da rocha – quanto é difícil de você mover um bloco de pedra, parece tudo tão grande, tudo difícil. Mas, muitas vezes, no bloco de pedra aparecem algumas rachaduras. E nessas rachaduras nasce uma planta, uma flor. E elas são caminhos que vão, pela água, penetrando, e vão rompendo esses blocos. Não são só as grandes coisas, são as pequenas coisas também. Paulo ensina um pouco isso, de que a nossa luta é muito grande para a gente construir um outro mundo, desde questões socioambientais tão importantes, que fazem repensar toda a nossa humanidade. Mas, o que a gente pode fazer? Só a esperança não vai adiantar por que ela é a primeira que morre (risos), e o esperançar é talvez o último que morre. Então o Freire nos ajuda a ver a realidade dessa forma, nos alimentar, com a tentativa de olhar onde é que estão os sinais. Isso eu aprendi com os protestantes. Quando eu trabalhava numa entidade protestante há muito tempo. Onde há escuridão você tem que procurar onde tem luz. Nos sinais de luz, você vai atrás. Onde estão as luzes? Nós precisamos fazer análises finas para nós sabermos onde estão as luzes do nosso tempo. Porque, na época do Freire, muitas vezes o movimento sindical era a força, na reabertura [democrática] também. Hoje são os movimentos, de uma certa forma. A força da sociedade civil organizada. Todo um modelo de mudança social começa a se refletir, e essas coisas a gente precisa considerar.
ANDRESSA PELLANDA: Muito obrigada, Sérgio. Pela sua participação e pelo esperançar que deixa aí no final para a gente ir agindo. Acho que esse podcast já vai ser uma grande contribuição para as nossas terras que precisam tanto.
SERGIO HADDAD: Muito obrigado, Andressa. Ótima conversa.
ANDRESSA PELLANDA: Sergio Haddad, welcome to Eduquê.
SERGIO HADDAD: Thank you very much. Thank you for the invitation.
RUI DA SILVA: Sergio Haddad, besides being an educator and researcher, and having made great contributions to the development of educational policies in Brazil, is the author of a biography on Paulo Freire, as we said in the presentation. Sergio, could you tell us what moved you to write this biography and also comment on some “anecdotes” that were interesting in the research process?
SERGIO HADDAD: First, thank you very much. It is a pleasure to talk with the Brazilian Campaign for the Right to Education, which I have followed since the beginning. And in this particular year, which is the centennial year of Paulo Freire, I would actually say to you that I didn’t write the book thinking about the centennial, nor thinking about this government that has been attacking so much his thought and his shock troops. I, when I thought of this biography – this was about four, five years ago – because I was thinking of taking some free time to write and I thought that there was a lack of a good biography about Paulo. There are others, of course, shorter ones, other more personal ones, but a biography that would be complete about this. So I presented a project in three volumes, a very ambitious project to a publishing company, Companhia das Letras, which at the last moment gave up on the project. First because they were being incorporated or merged with Penguin, the publishing house. At that time, they were still very insecure and thought it wasn’t something that could be sold and would be economically viable. I put it aside. Then some of the people there who already knew me left and founded Todavia, which is a new publishing house. And soon after they founded it, they came to me for that project and so on. “Don’t you want to think about it? Maybe only 250 pages. You can’t go past that because it’s not possible. We’re just starting out and stuff.” That’s when I changed my perspective a little bit because my idea was to do that heavier biography with a lot of data.
SERGIO HADDAD: Many citations, many references, etc. for something that I thought could… Already at that juncture of social movements, of Fora Paulo Freire, of after 2013… That’s good. Look, there is a lot of nonsense being said about Paulo Freire, so it would be very nice to do something that people could read as literature, without having to interrupt to look at the notes: a profile. It is not a biography, it is a profile of Paulo Freire. So it is something about conjuncture, personal life, and intellectual production. All three things in a lighter way for people to read, as if it were a literature book. And those who are beginning their Pedagogy course, those who want to start reading Paulo Freire, or people from other areas who want to get to know him. So this was the goal, and I ended up writing this 250-page book. It turns out that the book came at a time of political acrimony and positions. In 2019, when it was launched, there was a sharp rise in the speeches against Paulo Freire. And this created a curiosity about him, and then the centennial finally became a very big thing. I didn’t imagine that there would be so many events, so much live. Which is very good, because everything that was said about Paulo Freire was attacked, and so on. It ended up creating a reverse situation. People started to read Pedagogy of the Oppressed, to buy books by Paulo Freire. The sale of Paulo Freire’s books increased a lot.
SERGIO HADDAD: Which means that it has increased interest about another thing that I think is important… It is that I think nobody is obliged to like Paulo Freire. But people have almost an obligation to know Paulo Freire because of his size and the fact that he is an internationally known person. There are few internationally known people in Brazil. I think it is very good that people are reading about him, knowing about him, and you can from my knowledge say: “Well, I don’t agree with this. What you can’t do is cancel Paulo Freire because you have heard about him and not because you know about him. It’s not honest, let’s say, intellectually. Well, I was doing it, talking, reading. I am a Youth and Adult Education person, I have always read a lot of Paulo Freire. I knew him personally, I worked with his method back in the 1970s, and he had already left the country. So, for me, it was a very fruitful period, a network of Paulo Freire’s irrigation, of things I had already read and other things I had not been to. So it was very pleasant to read the book. And he is a very curious person, just like the character, and he talks a lot about himself, tells a lot about his history, and reviews his past a lot.
SERGIO HADDAD: All that helps. A lot of the things I put in there are things he talked about himself and his past. Of course, you need to check that information. Let’s look at two things that I think were more curious, let’s see. First is a piece of information that I haven’t seen anywhere, with a piece of information that Madalena Freire herself gave me. Elza Freire was from a middle-class family. She was being promised to some fiancé, a sugar mill owner. Something like that. And she met Paulo Freire as a teacher. Although he was five years younger than her, they met. He was teaching her and giving private lessons for a competitive examination. And they fell in love. But her mother didn’t want to, her family didn’t want to. So she started to visit Paulo taking changes of clothes to his house and back home. Until one day she ran away with Paulo and they got married, etc. And the family only came closer to the couple after Magdalena was born, celebrating Grandpa and Grandma’s Day … So that made the family closer together. I found it very interesting, a new thing, they will say a “scoop”. And the other thing that I read is the fact that he remains from Pernambuco, from the Northeast of Brazil, all his life living in any part of the world. And he has explanations for this. First, because he is just like that, and he didn’t want to deconstruct himself.
SERGIO HADDAD: Secondly because he said that a person in exile is a person that needs to have roots. When he loses the root, he becomes like a cockroach because he doesn’t know if he is Chilean, American, Swiss, African, wherever. So having the foot, the root planted in this Brazilian northeasterner, from Pernambuco, that he was, this always gave him the antenna so that he could all the time go back to his origins and this revealed itself in several attitudes. Several parts of the book, I tell this when he went to learn English, for example, speaking because he read English when he went to the United States and Dona Elza said he needed to learn English, after all, he always talks about the challenges etc and he should learn English… Because he didn’t want to go to the United States after he left Chile, because it is the land of imperialism, that whole story that my generation was always very marked by. But then he said: “I’m even learning English, I’m speaking such a Northeastern English that even Elza, who doesn’t know English, understands it. And then in Switzerland, the story of the Sonho de Valsa (Brazilian chocolate), the cheese. All the people who came to visit him asked for things from Brazil, like coalho cheese and chocolate Sonho de Valsa – which is absurd, thinking that he is in Switzerland, the land of chocolate, the land of cheese. And he would say, “Oh, how delicious! Coalho cheese!”. I think these curiosities also make the text lighter, cooler, more curious.
RUI DA SILVA: The first chapter of his book, “O Educador”, talks about the extinction of the National Literacy Program by the military government in April 1964, under accusations that Paulo Freire was a communist. In 2016, after the impeachment of President Dilma Rousseff, the first program suspended by Temer was Literate Brazil, a program that also does not exist today. One of the questions asked of Freire at the time about his method was, as you cite in your book, whether it would be dedicated to literacy or to teaching in general, to which he replied that his concern was to educate and not just to promote literacy. Could you comment on the relationships of the current political moment, the educational policies that are targeted now and then, and also the reductionism in relation to education that is denounced by Freire in this episode and in so many others?
SERGIO HADDAD: I think that both then and now the issue is to try to reduce educational processes, educational conceptions, pedagogy, science of education and so on. There is a technical problem then, even in current times. There is a line by Bolsonaro in which he makes the following mention criticizing Paulo Freire: “Go check out if in Japan people talk about critical consciousness?” The problem, he kind of doesn’t say that, but the problem is a technical problem. You go there to learn mathematics, to learn Japanese, to learn biology and so on. This business of critical thinking or critical consciousness is nonsense and that is what in pedagogy, in an area of pedagogy, that is precisely critical pedagogy. You have this political dimension, which is critical pedagogy, in which Freire is one of the most relevant people in this field, it is the one that does not separate education from politics in party politics, in politics as power. Education always has an intentionality. So to reduce it to technique and or method, a literacy method, and reduce it to a merely technical dimension. Not that the method doesn’t have a political dimension. It has this political dimension that Freire talks about that critical pedagogy brings, it is the following: look, there is a political intentionality in the educational process, that’s right, you make an educational system aimed at development, at training labor, at technical training…
SERGIO HADDAD: Or you consider all of that, but you think about a pedagogical process aimed at the defense of rights, respect for human rights, and respect for diversity. So you have intentionality with the awareness of the problems in which you live. Besides, there is not only one objective, you also have a method. If you are thinking of a methodology that you preach, democracy preaches the defense of rights, etc… You cannot be an authoritarian teacher. You can’t be inconsistent with what you think. Your point of view is a method, it also has a political dimension. And finally what are the values that you pass on when you are an educator. Are you thinking about valuing discriminatory values, valuing racist values, valuing competitiveness and valuing meritocracy? Or are you thinking about human coexistence, respect for the other, the individuality of the other, dialogue. In short, politics is ingrained. I think so. So going back to your question: I think that the issue is therefore to reduce it to a technical thing and try to depoliticize the educational process. That’s the reality. Let’s see. I imagine that this intentionality is at the core of these two questions that you raise in these two moments in our history.
ANDRESSA PELLANDA: Sergio, I would like to explore this opposition between what is technical and what is education with fullness, and bring it to the point of groups that consider Paulo Freire a certain threat to them. And then I have three questions. You mentioned in the beginning that the book comes at a time of more political attacks against Paulo Freire and his work. And then I would like to ask you what these movements and the ultra-conservative movements, some religious fundamentalists or other types of fundamentalisms, also see as so dangerous? In Paulo Freire, in his work. And what is your view on the reasons for this antagonism, this extremism? What ways could we have to overcome it? And then I brought up a part of chapter 12 of your book, in which you talk about Paulo Freire’s period as head of the Secretariat of Education of São Paulo, in which he talks about believing in freedom. So, facing this scenario, facing so many attacks, how can we also believe in freedom?
SERGIO HADDAD: I think that a very important thing is that Paulo talks a lot about autonomy because autonomy is part of the human dimension. He values this part of the human dimension, which is the right to choose one’s life, to become aware, to choose one’s life, to do this through teaching-learning processes. Doing this through dialogue with other people, all this to build possibilities for social change. It is not something like this: I am going to study because with this I will have a diploma and I will have a job, I will make money, and if I am more competitive I will make more money, and therefore I will value more this vision of an education that is always focused on the individual process, on individual growth. He is always thinking about the idea of collective consciousness, of an education that leads to a collective consciousness about national problems and, therefore, consciousness-raising is a way for you also to gain autonomy and power together with other people and shape society according to your interests, and the interests of the majority. This is disturbing because back in 1963, 1964, Paulo Freire was disturbing. And it bothered because he wanted to give more autonomy with his method. At that time, people who did not know how to read and write could not vote, and so by teaching people quickly in 40 hours, in 40 classes, in a very short period of time, they got their voting cards. He got these people to gain more autonomy to choose their representatives.
SERGIO HADDAD: More than that: they also gain awareness about the problems. It’s not technical literacy, it’s political literacy. So much so that there were already two evaluation measures in Angicos: one that was reading and writing, and another that was the political dimension. And most of them did better on the political dimension than on the reading and writing dimension because we all know that 40 hours is quite limited to do a literacy process. So this was going to mess with the electoral fodder, because people are going to start voting according to their conscience. And you would put a very large number of people in that condition. Well, that’s what happens today. In the second moment, here Paulo wrote a book called Pedagogy of the Oppressed, it is a pedagogy turned to the oppressed, to be turned to the chipped ones, and turned to the discriminated ones. So, the whole composition of the middle class that is elite-headed, the part of the middle class and the elites in general, and directly confronts the idea of a pedagogy that is going to broaden the political, critical consciousness, of marginalized oppressed sectors and as I commented in the previous question, Paulo Freire implemented, He was coherent when he was Secretary of Education because he implemented a super democratic management with community participation, with student participation, with student and parent-teacher councils, with non-formal decentralization, the formal decentralization of the secretariat, it is an effective decentralization, including of resources.
SERGIO HADDAD: He changed the name precincts to educational units. So, every conception is a decentralized, participative conception. The curriculum was a call to teachers to also build projects and curricula based on the experience of each one. So you see, this is in direct opposition to what we are experiencing today. The idea of civilian and military schools, whose idea is total verticalism, the idea that this generation needs authority and not autonomy, is not an education for autonomy. It is an education for obedience, for respect, as if these were values that do not pass through autonomy. People have respect not because the person is an authority, but they have respect for the value that person has. This is Freire. In a way, he propagated. So, I think the critique came a little bit in this sense. There are other reasons for Freire, he was one of the founders of the PT, and in this wave of accusations of the PT and petism, of Lula, he is in the same package, he was secretary of education in the PT government, at the time of Luíza Erundina, when she was in the PT, etc. And there are others, and there are things that cannot be taken into consideration. They say he can’t write – some nonsense of this nature that is not even worth it. It’s from people who didn’t read or who read and didn’t understand anything.
ANDRESSA PELLANDA: Still on the subject of religion and communism, could you comment on the statement Paulo Freire made to PUC-SP TV in 1997: “So, the readings I did of Marx never suggested that I stopped finding Christ on the corner of the slums themselves. I stayed with Marx in the mundanity and looked for Christ in the transcendentality”?
SERGIO HADDAD: So, there are two things. The first is that Paulo is a Christian, he was a Christian, he followed his mother’s religion. His father was a spiritist and he ended up following his mother’s Catholicism. He was a Christian and he was a convinced Christian. What do I mean by this? He throughout his life said like this: “I never needed to confirm my belief in Christ. Why? Because I have faith.” Even he, many times, in dialogues with Darcy Ribeiro, who was a good friend of his, and Darcy was a card-carrying atheist… They talked about it freely and he would say: “I never needed it”. And Darcy would say: “I have tried in every way to confirm some kind of religiosity and I am sure that after my death there will only be ashes left. In other words, nothing.” Well, then, this is one thing and I would say that Paulo took this to the extreme, because it is the vision of the human being that he brings in that he carries throughout his life. This Christian vision that he brings when we talk about values. What are the values of Christianity? He believed deeply in the human being, in his loveness, in his capacity for dialogue. In this vocation to learn and teach all this comes from his Christianity. When he says this about Marx, he will say: It was not the people from the slum who told me that I had to read Marx, because they never read Marx. Their reality led me to search for explanations about why this poverty, why this unjust society, this way.
SERGIO HADDAD: And I found in Marx many of the explanations I would like. As he found in Fanon, as he found – before he left the country – in Anísio Teixeira. What is important is this: what he means is “I never abandoned my Christianity; I looked for the theory that was necessary to explain my practice”. That’s because Freire was never an intellectual in a cabinet. He was always a person who, even when he was at the university, exercised his capacity for permanent action and permanent practice, based on reflection about this practice. He wanted to look for theorists to explain what had happened and he was very criticized even in the academy when he returned because he didn’t have a theoretical card. But which current do you belong to? You could almost say: I am a Christian. So now he defined himself as a socialist, not as a communist, because he was very critical to the whole communist experience that we lived and that the world lived in the former Soviet Union. But he never stopped saying that he was a socialist and that he was a person who wanted to see a socialist society – socialist in this sense of justice, of respect for human rights, for individuality. In that sense he was always very clear. So I think it has to do with this explanation: My dialogues with Marx never made me abandon my dialogues with Christ. It was the way he expressed himself during this whole period, and he was charged.
RUI DA SILVA: And now going back to your book, as you mentioned “The Educator”. Paulo Freire has a famous idea: “Nobody educates anybody, nobody educates themselves; people educate among themselves mediated by the world.” It is even the title of one of the chapters of your book, which deals with the author’s intellectual production in the midst of exile. The world has changed quite a bit since Freire built his legacy, especially in relation to the intent. It is a process full of potentials and also of risks, even for the construction of our societies and democracy. What clues did Paulo Freire leave for us to deal with these transformations?
SERGIO HADDAD: I think that it is in the core of his thought, let’s say, where we find the general lines to be able to face the present time. I find it interesting because I may be wrong, but looking at Paulo Freire’s texts regarding communication and mass communication, since the medium is the message, that idea that you have emission and from there the reception is given, and it has been gradually questioned. This kind of thinking sometimes… I keep seeing the details, for example, I’m not just starting to mess around with Instagram now, I’m posting some stuff, and I see some interesting things. For example, I don’t know how to ask questions anymore. “Did you have a good morning today: yes or no? Or do you think… Comment with me, such… What is that? Moving beyond messages and comments on that message that you make in an attempt to advance in a dialogue and in the idea that when I see the television networks, suddenly it’s not just market research that needs an audience. Those things are important, but when I see in the newspapers, for example, let’s hear now the comments of our viewers. And it is projected on the screen, so-and-so says this, or so-and-so says that. It is also an attempt to get closer to the receiver. What is the reaction of this receiver in relation to what I say? It is not a dialogue yet, it is clear, therefore, that modernization has also brought processes based on new technologies that do not always go along with the idea of culture centers, the dialogue built in these cultural centers, of collective thinking, etc. But we have been using technology to do things like this one [podcast], for example, in which you gradually ask questions, engage in dialogue. Even in family meetings, the guy goes there with Zoom and sees his grandson, talks to one another, which is an attempt to humanize these technologies. To get out of this technical objectivity to enter into a human subjectivity, into this idea of you constructing thoughts from this approach. If we can achieve this technology, in this way, I think that Freire’s influence is very present for us, who see Paulo Freire more as a philosopher, an inspiration. You try to bring to the here and now this basic core that is: to believe that people can, through learning, through dialogue, through teaching, build new knowledge. This is not to say that teachers don’t need to prepare themselves. It is not a chat, having coffee on the corner. No. It is there in Pedagogy of Autonomy, the educator needs to prepare himself for his dialogue, but he needs to respect the knowledge that these people have. That which they bring as baggage to their work. So, I think that this approach is important. There will be no way out for our students when they return to school if we are not willing to see what these students have learned. What they learned, what they felt. What was the experience of death, of life, that they lived? Of the loss of relatives, etc. Technology will not solve this, it can support some things, but it does not solve it. So it is no use just thinking that it is a process of information distribution, or of fake news, it is a new thing that must be used according to what you understand from the point of view of your pedagogical thinking. For me, Freire is hitting all the time on this reflection on how to overcome the conditions that we are experiencing in the current conjuncture.
RUI DA SILVA: Paulo Freire said: “One day this country will become less ugly. Nobody was born to be ugly. This country will be more beautiful as long as we fight with joy and hope […] what changes is the way we fight”, Freire once said in a statement to the NGO CENPE. Given the situation of the country (Brazil) and also of the world, what would be your advice, as a now more intimate acquaintance of Freire, to those who are in the frontline of education and social transformation?
SERGIO HADDAD: His thought in relation to beauty has to do with the idea of loveness. It’s not in the aesthetic sense. It has to do with loveness, with joy, with respect for the other. But also with physical conditions. When he was the secretary of education, he used to say that schools need to be beautiful. Welcoming, not luxurious, but so that the students feel good. That beauty of the world. I would tell you what Freire teaches me for the present moment. There are several things, but some of them go together. First, utopia. The idea of having a project, which is directly linked to the idea of ‘critical hope’. Critical hope, so often repeated, is the idea of pursuing something. It’s not the waiting, waiting for things to happen. “Oh, I hope the world will one day get better.” In the hope, it would be… No. “I critically hope that one day the world will get better, and I’m going to do everything I can to make it happen.” These two things to the idea of you, from the knowledge made, from what we have learned, our fight is, looking at the project, the utopia, is to seek the untested feasibility, which is another concept of his that is very important. It is that which has never been done, that can bring a path to reach this utopian vision of society. It is not a big thing. It’s the lights, in the darkness, where are the lights? Where do you identify a struggle, a path that you believe throws water in the mill of your utopia? What are the struggles that are taking place? For me, for example, all the mobilization of young black women that has been occurring in recent years is untested feasibility. They are ways for you to build your path in order to build a more just, more egalitarian society. All this diversity is emerging. This respect for all kinds of orientations. They gradually make situations become situations of respect and normality that are unprecedented. The beauty of human nature is its diversity, how do you learn from this diversity? I think that these new things are gradually being built. I participated in a live broadcast about Paulo Freire, which was very interesting. One of the participants used the figure of a rock – how difficult it is to move a block of rock, it all seems so big, so difficult. But, many times, in the block of stone some cracks are born. And in these cracks a plant is born, a flower. And they are paths that penetrate through water and break these blocks. It is not only the big things but also the small things. Paulo teaches us a little of this, that our struggle is very big to build another world, from socio-environmental issues that are so important, that make us rethink our whole humanity. But what can we do? Hope alone will not help because hope is the first to die (laughs), and critical hope is perhaps the last to die. So Freire helps us to see reality in this way, to feed ourselves, trying to look at where the signals are. This I learned from the Protestants. When I worked in a Protestant entity a long time ago. Where there is darkness you have to look where there is light. In the signs of light, you go after. Where are the lights? We need to do fine analysis to know where the lights of our time are. Because, in Freire’s time, many times the union movement was the force, during the [democratic] reopening as well. Today it is the movements, in a certain way. The force of organized civil society. A whole model of social change starts to be reflected, and we have to consider these things.
ANDRESSA PELLANDA: Thank you very much, Sergio. For your participation and for the hope you leave at the end so that we can take action. I think this podcast will already be a great contribution to our lands that need it so much.
SERGIO HADDAD: Thank you very much, Andressa. Great talk.
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