Grácia Lopes Lima
Media education as a contribution to everyday pedagogical practice
Grácia Lopes Lima, PhD in education from the University of São Paulo, is the guest of our new episode! She is the creator of the Cala-boca Já Morrreu project and coordinator of the Trecho 2.8 project, both initiatives in the media education field. Grácia Lopes Lima clarifies concepts and presents contributions of the area to basic education, with an emphasis on new approaches to pedagogical practice.
Grácia Lopes Lima, doutora em educação pela Universidade de São Paulo, é a entrevistada do 15º episódio do Eduquê! A educadora é criadora do Projeto Cala-boca e coordenadora do projeto Trecho 2.8, ambas iniciativas da área da educomunicação. Grácia Lopes Lima explica conceitos e apresenta contribuições da área para a educação escolar, com ênfase em novas abordagens de prática pedagógica.
RUI DA SILVA: Grácia Lopes Lima, seja bem-vinda ao Eduquê.
GRÁCIA LOPES LIMA: Muito obrigada, Rui, pelo bom dia. Boa tarde! Boa noite. É um prazer estar aqui com vocês.
RUI DA SILVA: Muito obrigado por aceitar estar conosco. É um grande prazer tê-la cá. Principalmente trazer o tema que trabalha não é, Grácia. Trabalha educomunicação, que tanto fazem interseção entre educação e comunicação. Pode contar para nós o que é educomunicação? Principalmente, para um público fora do Brasil, que não tem, pelo menos da minha parte, nem eu em Portugal, quando ouvia falar da educomunicação… Este termo veio do Brasil e não sabia muito bem o que queria dizer. E presumo que os nossos ouvintes que estejam, se calhar, fora do Brasil também tenham esta dúvida. Então o que é educomunicação?
GRÁCIA LOPES LIMA: Então, educomunicação é uma das áreas do conhecimento humano e é uma área que se interessa em compreender e analisar as relações intrínsecas e necessárias entre dois campos diferentes: o campo da educação, esse fenômeno social que acontece em todas as sociedades, em todos os tempos da humanidade, dentro e fora da escola, e a comunicação social que tem a ver com os recursos utilizados para estender a voz de um para muitos, via rádio, via TV e internet, via recursos tecnológicos que levam as vozes e as imagens para mais longe. Então, educomunicação é uma interface, é uma área do conhecimento interessado em entender essa relação que é intrínseca. Ela acontece, quer queiramos ou não.
RUI DA SILVA: E pode também contar para nós qual é a história deste campo? Não desta interseção, desta comunicação que existe desde sempre, mas deste campo de estudo. E o que nos traz diferente do de outras propostas que às vezes nós vemos… E o que é da comunicação. Portanto, em termos de histórico, mas também o que é que ela nos traz de novo e o que é que pode ser visível.
GRÁCIA LOPES LIMA: Então, no Brasil, tornou se conhecido a partir de 2011, com a criação de um curso de graduação aqui na Universidade de São Paulo. Só que, para entender a educomunicação, é preciso voltar no tempo para acessar a sua origem. E nós vamos voltar necessariamente se quisermos. Levando em consideração que a educomunicação tem várias concepções, eu vou passar uma bem pessoal como pesquisadora do campo. Para entender isso que vem sendo chamado de educomunicação, é preciso voltar na sua fonte, nascedouro, que tem a ver com o contexto social e político dos anos 60 e 70, especialmente na América Latina. Quando éramos considerados como quintal dos Estados Unidos, o imperialismo estadunidense se impunha e se valia inclusive dos meios de comunicação para tornar os países latino americanos submissos às decisões centralizadas nesse país, o que marca especialmente o nascimento da comunicação. É um incômodo muito grande com essa submissão dos países e com essa vontade de dominar por todas as vias as decisões nacionais. Alguns intelectuais da época se viram na obrigação de tornar mais conhecido de um modo crítico o que estava sendo feito, especialmente por meio da televisão e por meio do rádio em especial, que era mais forte até que a televisão daquela época. Vou citar aqui dois autores que têm muita ligação a ligação direta com esse movimento, que no começo nem se chamava educomunicação e nem tinha nome.
GRÁCIA LOPES LIMA: Era uma ação com a vontade de levar mais pra frente a força que os Estados Unidos tinham para submeter os países. São os autores Paulo Freire, que, do lado da educação, vai dizer que vingava um sistema educacional para ensinar a subserviência. Daí ele ter chamado de educação bancária, uma educação que se resumia em decorar conteúdos e saber conteúdos simplesmente para transmitir e não para pensar sobre eles. Uma educação alienante e ela alienador… De um lado, então, Paulo Freire, do lado da educação, e um outro autor que não é tão conhecido como deve ser, que vem da comunicação chamado Mario Kaplan, um uruguaio, uma trajetória marcadamente profissional na área de comunicação, ele foi diretor de programas de rádio, de programas de TV, conhecedor de como se produz comunicação social para que a voz de uma pessoa alcance inúmeras pessoas naquela época dos anos 60 e 70. E ainda eu diria que isso ainda vinga, são os meios de comunicação, a mais barata forma de entretenimento das pessoas… E ao entreter, essa comunicação pode também, tanto quanto a educação a qual o Paulo Freire se referia, alienar as pessoas, isto é, trazer diversão – sem diversão as pessoas enlouquecem – mas contribuir para que as pessoas não entendam criticamente, porque as coisas lhe chegam pelos meios de comunicação da forma como enxergam. Então, nos anos 60 e 70, influenciados também pela Teologia da Libertação, um movimento da Igreja Católica muito importante, que não pode deixar de ser citado…
GRÁCIA LOPES LIMA: Entendia que evangelizar as pessoas era evangelizar os pobres, era fazer com que os pobres, as camadas oprimidas, entendessem por que são oprimidas. Bem na linha do que Paulo Freire também vai contribuir para a gente entender na pedagogia do oprimido. Nesse contexto, Mário Kaplun resolve se valer de tudo o que ele aprendeu fazendo rádio, como diretor e fazendo TV. Vai se valer desses mesmos recursos e dessas mesmas tecnologias para garantir que pessoas leigas produzissem comunicação. Então, ele reúne agricultores de diferentes lugares que não se conheciam, especialmente pela distância, pela dificuldade de se verem presencialmente. Eles se valem dos recursos do rádio para conectar regiões diferentes. Mais do que isso, para conectar agricultores de regiões diferentes, existia na época. Talvez vocês mais novos nem saibam, mas se colocarem na internet, vão ver. E é muito interessante. O que existia eram gravadores grandes e fitas cassetes com lado a lado. Foi valendo se dessa alta tecnologia da época que Mario Kaplan criou o que mais tarde vai ser chamado de educomunicação. Ele usou esse recurso simples para que grupos de agricultores conversassem então com um gravador do lado A. Um grupo de agricultores de uma região falavam o que bem entendiam. Essa fita cassete era levada por vários caminhos para uma outra região e, nessa outra região, quem recebia a fita ouvia a gravação do lado A e virava a fita para o lado B.
GRÁCIA LOPES LIMA: E também gravava o que bem entendia. Lembrando bem que são trabalhadores agricultores. Essa fita passou a ir e voltar, ir e voltar. À medida em que os agricultores das diferentes regiões começaram a se ouvir e a ouvir o que os outros falavam, eles começaram a perceber que eles tinham pontos em comum na forma de trabalho que eles realizavam. Começaram a analisar as relações com os patrões, os salários recebidos, as condições de vida, as condições de trabalho aos poucos. E esse intercâmbio, que foi chamado de cassete, foram um fórum de diálogo entre as regiões e permitiu ao Mário Kaplun entender que o rádio, o gravador, estava servindo para criticamente as pessoas entenderem o mundo real e que o meio de comunicação, em vez de alienar, estava contribuindo para que as pessoas se tornassem sujeitos e não objetos da história. Assim nasce o que muito mais tarde vai ser chamada de educomunicação, que na verdade poderia ser resumido como educação para a consciência crítica para autonomia, usando-se os meios de comunicação no caso. Na época, o recurso que havia era gravador. Atualizando: qualquer meio de comunicação pode permitir que as pessoas exerçam o direito de também produzir comunicação.
RUI DA SILVA: Foi muito interessante este caminho, e eu ainda tenho idade para cassetes porque gravava também o lado A e o lado B. Mas não, este fórum parece muito interessante. Esta história, se calhar para os nossos ouvintes mais jovens.
GRÁCIA LOPES LIMA: Sim, os mais jovens e os mais velhos também. Nem todos os velhos sabem o que nós temos como síntese do que vem a ser educomunicação na sua origem e que era uma ação política. Não era algo que nasceu para entreter, não era algo que nasceu por modismo, mas por comprometimento de seus idealizadores, calcados no contexto social. Esta é uma grande marca do nascedouro e que nós, incluindo Mariana, estamos incluídas desde os anos 90, que é como que a gente inclui todas as pessoas numa ação política que significa consciência de si, consciência do lugar onde está, do modo de vida e das relações estabelecidas.
RUI DA SILVA: Exato. É também um espaço de resistência. Não é o que até as cassetes não passam por este fórum. E quando você é hoje em dia, não é com os meios de comunicação que nós temos acesso com os celulares, etc. Agora não é, as potencialidades são outras. Mas e como é óbvio, o que estamos aqui agora a gravar um podcasts com este diálogo não é ser aqui em São Paulo. E eu neste momento em Portugal, em Viseu, no centro de Portugal, estamos aqui a fazer comunicação. Estamos neste diálogo, só que agora já nos permitindo e estamos à espera do lado de ouvir o lado A e o lado B conseguimos interagir em tempo real, e se calhar, agora avançando… Olhando para, por exemplo, os episódios que lançamos recentemente. Lançamos um episódio sobre educação e colonização. Estamos nesta temporada do nosso podcast, nesta segunda temporada do Eduque a tentar olhar para outras práticas. E penso que o que nos descreveu mostra como a educomunicação pode colaborar neste processo. Nos anos 90, quando quando falou, eram as questões do imperialismo americano. Também hoje em dia pode ser usada também para esses processos de descolonização, de educação etc. Pode nos dar exemplos de como na atualidade a educomunicação está a ocorrer e tendo em conta esta evolução também dos meios tecnológicos, mas também dos vários espaços urbanos dos vários fóruns de discussão da educomunicação.
GRÁCIA LOPES LIMA: Na origem, nasceu fora da escola, nasceu na sociedade, incluindo adultos, não necessariamente alfabetizados. Com o passar do tempo, essas aproximações evidentes entre comunicação social, educando as pessoas de comunicação como aproximação necessária entre educação e comunicação social. Nós vimos que pessoas acadêmicas e profissionais da área de educação se interessaram por tentar trazer esses princípios para a escola. Então, nós hoje vemos a educomunicação muito ligada à educação escolar, à educação formal, vingando em São Paulo, por exemplo. No Brasil, nós temos uma experiência, de 2000 a 2004 de formação de profissionais da educação, de diretores, coordenadores, incluindo estudantes, para tentar aproximar isso que a gente citou que Mário Kaplun fez. Ou seja, de usar as tecnologias do rádio para que as pessoas se escutem, escutem e assim escutem os outros e se organizem de forma a construir uma sociedade solidária, aberta ao diálogo e promotora de direitos. Quando chega na escola, a coisa se complica, porque não há como a gente esquecer que toda a escola ela é calcada no modelo político governamental para atender o sistema. Isso é inegável. Dependendo do tipo de sistema e o tipo de educação. E aí? O que acontece ainda, infelizmente, é que essa experiência de Mario Kaplun ainda não se desenvolve como poderia ser, por dificuldades, pelos emaranhados burocráticos e próprios do sistema educacional escolar, que é estar preso a conteúdos escolares.
GRÁCIA LOPES LIMA: Quando a gente retoma a origem da educomunicação, não havia uma grade curricular, não havia outra coisa. Se não há necessidade de falar sobre a vida real de fora dos espaços de um lado. E havia, por outro lado, o interesse de quem estava na coordenação de promover um debate em cima das coisas da vida. Agora, a escola, infelizmente, não se ocupa dos temas da vida. Por mais que ela procure metodologias, ela ainda tem uma prisão nos conteúdos, nas grades curriculares. Então nós vemos hoje trabalhos muito interessantes, mas ainda mantendo muitas características da educação formal. Que se resume em quê? Em haver um professor que teme o rumo da comunicação, que os alunos possam realizar e que teme a reação de pais, teme a reação da diretora pelos conteúdos fornecidos pelas bocas das crianças dos adolescentes. Então nós temos que reconhecer que é um grande passo ter entrada na escola de comunicação, mas é preciso olhar criticamente que tipo de educomunicação está sendo realizada sem grandes avanços, com certeza, em São Paulo. Esse trabalho realizado é de 2001 a 2004 e se tornou uma política pública fantástica. Tem um potencial inegável, mas ainda é preciso muito avanço para a gente conseguir transformar os meninos e meninas em sujeitos e não obedientes domésticos.
RUI DA SILVA: Como sabemos que a Grácia esteve envolvida em projetos, também sabemos que, na prática, nem todos estes processos estão ligados a esta grade curricular. E esta formatação por parte do professor pode partilhar conosco, por exemplo, o percurso do projeto Cala a Boca Já Morreu? Não é, que sabemos que a Grácia esteve envolvida e a Mariana está conosco, da produção deste podcast, esteve envolvida e os nossos ouvintes que estavam interessados podem ouvir o nosso “podcast-mãe”, o Fresh-Ed, E podem ouvir um episódio muito interessante, onde ela fala do percurso e fala desse projeto Cala a boca Já Morreu. Mas se calhar voltando para si, pode então partilhar este percurso… O projeto Cala a Boca Já Morreu… E se calhar começando, eu peço já eu para quem está cá em Portugal, o nome Cala a Boca Já Morreu. Donde é que ele vem? Porque a nós este nome nos diz, eu sei que está ligado à brincadeira e a jogo de crianças, mas se calhar começar por aí, se quer e depois explicar-nos então este percurso e como este projeto se calhar está ligado a esta perspectiva mais emancipatória e de criação de sujeitos que é um dos fins da educomunicação que nos explicam.
GRÁCIA LOPES LIMA: Falar do projeto Cala-Boca Já Morreu é uma forma de renovar as esperanças, porque na época a gente nem sabia que existia educomunicação, muito interessante. Na época, éramos dois professores, ou seja, da área da educação, inquietos com a educação. E na nossa região havia uma rádio comunitária diferente da comunicação hegemônica dos grandes meios de comunicação, na mão de grandes empresários, que tem a finalidade de fortalecer as pequenas comunidades. O Cala-Boca Já Morreu nasce como um programa de rádio. Em 1995, aqui na zona oeste de São Paulo, nasce de uma parceria que é um ponto importantíssimo a se destacar como necessário quando se pensa em educomunicação. Para a emancipação, sozinhos, nós não damos conta da educação das pessoas. É preciso estar junto. Quanto mais pessoas envolvidas, maior a possibilidade de a gente promover uma educação boa da meninada que está por aí. Em 95, então, a gente se aproxima de uma rádio comunitária e reúne um grupo de crianças de diferentes idades. Nós tínhamos crianças de 7 a 12 anos de idade que se formou da seguinte forma eu me emociono e me encanto, porque é maravilhosa a forma com que nasceu. Duas crianças, primeiro um menino e uma menina, começam a convidar outras pra fazer um programa de rádio. E eu era professora. As próprias crianças acabam formando um grupo heterogêneo de dez escolas, diferentes, idades diferentes e realidades socioculturais muito diferentes.
GRÁCIA LOPES LIMA: Havia o que eles chamavam na época de crianças riquinhos e crianças pobres, todas no mesmo grupo. E nós fazíamos um programa de rádio todo domingo na Rádio Cidadã, essa emissora comunitária do Jardim Bonfiglioli, sob direção de Lucy Martins. O que eram esses programas, na reunião que era chamada de produção com as crianças, no Instituto Gens, da qual eu e Donizete Soares éramos responsáveis? As crianças definiam o assunto do programa de rádio e o assunto era levado ao ar em forma de conversas e de comentários, de atendimento de telefonemas e sobre o tema escolhido. Durante um bom tempo, os temas tratavam de questões existenciais, questões como relação entre irmãos, relação com os pais, dias de prova, temas da vida, material concreto dessa escrita. O interessante é que o programa não tinha um público-alvo limitado a crianças. Nós tínhamos um público que ligava muito pra rádio voluntária das mais diversas idades. Muitas vozes acompanhavam, avozinhas e cozinheiras acompanhavam os programas, e crianças também. Aos poucos, os temas existenciais se esgotaram. E aí, sobre o que o grupo vai querer falar agora, quando isso acontece, já havia passado quase um ano da experiência e as crianças passaram a escolher temas para os outros temas, para os programas e aí, para evitar competição e evitar invejas. Isso existe entre as crianças também não é competição, inveja, estão sempre presentes. As crianças podiam escolher ser âncora de um bloco, de uma parte do programa e âncora não significava a pessoa mais importante do bloco, âncora e aquele que impediria que o barquinho ficasse à deriva, segurasse o barquinho no tema escolhido para o bloco.
GRÁCIA LOPES LIMA: E aí surgiram blocos. Mariana Casellato, que está na produção desse podcast e, por exemplo, realizou um bloco lindíssimo chamado Leitura da Hora. Por exemplo, um dos blocos que ela pôde ancorar chamava-se Leitura da Hora, quer dizer Leitura Legal, que era um bloco em que o grupo, sob a ancoragem da Mariana, podia comentar os livros que lia. E aí entra um outro aspecto importante nas parcerias, que era a gente conseguir que as editoras nos mandassem livros e as crianças liam muito todos os livros antes de vir um autor conversar com elas no estúdio. As conversas com os autores desse bloco específico era sobre os livros que as crianças efetivamente tinham lido porque queriam ler e não porque a professora mandou. Esse era um bloco. Nós tínhamos o bloco Criança Ecologia, nós tínhamos o bloco Notícia Quente e com a gente o Notícia Quente. Era um bloco pra comentar as coisas que chocavam os sentimentos, as emoções das crianças, como por exemplo, a ruína que aconteceu na explosão de um shopping na região. Então o programa Cala-Boca Já Morreu acabou sendo um programa de rádio que mostrava que crianças têm o que dizer sobre qualquer assunto, desde que elas estejam num grupo e que ela não se sinta individualista.
GRÁCIA LOPES LIMA: Ninguém faz programa bom sozinho. Então, o grupo fazia um programa bom. Com o passar do tempo, não muito tempo demorou para que essas produções domingueiras ficassem conhecidas e passássemos a receber provocações. Depois do programa de rádio, apareceu uma outra provocação do próprio grupo de criança: nós já fazemos um programa de rádio, por que a gente não faz um jornal? Por que os jornais de crianças são sempre feitos por adultos? Aí uma nova parceria acontece. Conseguimos um diretor de uma grande rede de jornais de bairro e fez um encarte do jornal Cala-Boca Já Morreu, que era distribuído pelas casas e estabelecendo um diálogo entre as crianças e o público de verdade. Tanto o jornal quanto o programa de rádio tinha a mão direta das crianças, escolha do tema, duração dos blocos, nomes das partes que compunham o programa, o jornal, a locução e um outro aspecto que era o aspecto técnico a gravação dos programas. A digitação do jornal era feita pelas próprias crianças e, pasme, nós tínhamos à época apenas um computador e dez crianças para digitar as matérias. Essa foi a segunda provocação que nós recebemos. Aí veio uma terceira. Vocês já lidam com a linguagem do rádio? Vocês já trabalham com a linguagem do jornal impresso… Sem TV comunitária. Por que não experimentam fazer TV? Conseguimos uma nova parceria e aí as crianças puderam segurar uma câmera e fazer gravações pelo bairro.
GRÁCIA LOPES LIMA: Câmeras profissionais, microfone profissional. E começamos a aprender a fazer televisão. Chegamos a fazer cinco programas que foram veiculados de verdade, como as crianças diziam, no canal comunitário da cidade de São Paulo. Esse conjunto das três atividades nos levou a dizer a gente acabou de montar um projeto, um projeto de educação que nos mostra que os meios de comunicação servem para educar as crianças, não para serem vaidosas, não para serem a mais bonita, não para serem artistas. A intenção não era essa. A intenção era que eles sentissem prazer por aprender e eram extremamente curiosos em tudo o que queríamos, só para citar. E aí eu não quero me estender muito, porque eu adoro recuperar essa história. Certa vez, as crianças queriam falar sobre serpentes no bloco Criança Ecologia e aí a gente combinou isso. O que vocês querem falar? Estudem e revejam o que aprenderam na escola sobre serpentes. Mas a gente quer entrevistar alguém também sobre esse assunto e conseguimos levar para o estúdio de rádio da Rádio Cidadã. O diretor da divisão educacional do Instituto Butantã para conversar com as crianças sobre o tema. E não é que as perguntas tornaram mais vivas essa possibilidade de educação pelos meios? Numa das perguntas feitas pelo professor Marcos Ferreira, uma criança pergunta: Marcos, cobra fecha o olho para dormir? Eu, como professora na minha cabeça, isso é pergunta que se faça!
GRÁCIA LOPES LIMA: Que vergonha! Que pergunta! O professor Marcos sorri e diz assim: cobra não fecha os olhos para dormir porque ela não tem pálpebras. É mesmo? E eu também. Como adultos, eu não sabia. Aprendi. E na sequência, outra pergunta: Marcos, cobra fica resfriada? Cobra tem gripe? E eu de novo: meu Deus, se isso é pergunta que se faça! E o professor Marcos esclarece, rindo com toda a satisfação. Olha, cobra, fica doente, sim. Cobra tem gripe sim, é no Instituto Butantã. Por conta disso, existe um quartinho de quarentena para onde as serpentes vão tomar antibiótico e saírem de lá só depois que estiverem boazinhas. Professor Marcos até hoje diz que está acostumado a conceder entrevistas pelo Instituto Butantan para organismos internacionais, e considera essa a melhor entrevista que ele concedeu. Porque as perguntas que as crianças fizeram, os comentários ligando inclusive com mitologia, eram feitas pela curiosidade e pela vontade de saber, e não simplesmente para preencher um espaço vazio. Então Cala-Boca Já Morreu reuniu as crianças. Ficamos juntos muitos anos sem torcer para que elas fossem radialistas, comunicadores. Não era essa a nossa intenção. Ao final de um bom tempo de vida, a gente vê. Cada um descobriu sua vocação e estão nas mais diversas áreas de atuação. E levando pra frente a emoção desse tempo de formação de educação, os anos.
RUI DA SILVA: Obrigado Grácia por nos falar desta experiência tão rica e de fato, quem não lida com as crianças como se eles fossem sujeitos e quem não sabe como é exatamente a curiosidade das crianças… E as perguntas que elas fazem geralmente são interessantes e dão nos outra perspectiva. Mas falta nos explicar para os ouvintes que não sabem: o que é Cala-Boca Já Morreu? Por que este nome?
GRÁCIA LOPES LIMA: É uma expressão que nós descobrimos que existe em todos os lugares. Cala a boca e fica quieto. Não opine sobre as coisas. Se você é criança, isso não é assunto para criança. Se você é velho, você já está antiquado. Você não tem o que dizer. Então, cala a boca. E aí, para negar essa vontade de calar a boca das pessoas, surge o oposto: “cala a boca”, essa fase já morreu, já passou. Nós temos o direito de dizer o que nós bem quisermos, com todo respeito. Tudo o que sentimos e pensamos. E aí o Cala-Boca Já Morreu. O projeto tem um subtítulo que: Cala-Boca Já Morreu – O que nós também temos a dizer?
RUI DA SILVA: Como nós sabemos, as crianças têm sempre o que dizer, desde que elas tenham esse espaço e sejam tratadas com esse respeito e não sejam tratadas como não sendo sujeitos ou não são tratados como objetos.
GRÁCIA LOPES LIMA: Ao ler Mário Kaplun, a gente vê relatos muito interessantes, muito semelhantes ao que a gente viu no Cala-Boca Já Morreu, mulheres agricultoras no grupo, tudo coletivo. Isso é um dado importante. Muitas mulheres ao fazerem programas de rádio ficavam quietas porque achavam que não tinham direito de falar do jeito que elas sabiam falar e ficavam em silêncio. Somente aos poucos foram adquirindo essa facilidade, essa possibilidade de transformar em palavras, inquietações, sonhos etc.
RUI DA SILVA: Daí que não há perguntas certas e erradas, há perguntas e a curiosidade. E é muito interessante ter falado em Paulo Freire. Também lembro aos nossos ouvintes que não ouviram na primeira temporada do nosso podcast: temos quatro episódios dedicados a Paulo Freire. Quem não ouviu, sugiro que que vão ouvir. Fala-se desta questão da educação bancária e a volta da pedagogia do oprimido. E podem fazer várias ligações para o que a Grácia nos contou cá sobre o que é o da comunicação. A conversa está muito boa, mas infelizmente estamos a chegar ao fim e se calhar como encerramento da nossa conversa… Se calhar a pergunta que lhe deixo é acho que já do que fomos ouvindo, já deixou algumas pistas, já deixou algumas pistas que é tendo por base esta sua experiência, essa sua longa experiência. E que conselhos é que dá a quem está na linha da frente da educação? Falou já em coisas muito importantes, não é? Falou em parceria, não se faz nada sozinho. Uma parceria, no verdadeiro sentido da palavra. Mas que conselhos é que dá a quem está na linha da frente da educação para implementar projectos de educomunicação ou ter projectos que tenham por fim esta filosofia?
GRÁCIA LOPES LIMA: Alguns aspectos que para nós são essenciais. Primeiro, que as produções têm que ser coletivas. A escola ainda, infelizmente, escolhe para falar no rádio, aparecendo no vídeo o melhor aluno da sala, com mais desenvoltura. Quando isto acontece, fortalece o individualismo, a vaidade, a rixa entre os que não podem ser os desconectam. Educomunicação na escola exige que entendam que as produções têm que ser coletivas, primeiro. Segundo, com as produções, que têm que partir de temas levantados por vontade do saber das crianças. Não se delega temas desse ponto de vista que nós falamos de comunicação como sinônimo de educação pelos meios. Tem que nascer da vontade das crianças, dos jovens saberem qual é o assunto que as crianças e os jovens querem falar. Terceiro, exige que os coordenadores, os responsáveis, não temam o que virá como conteúdo. O que virá servirá para as crianças se conhecerem mais, os jovens se conhecerem mais e também os adultos saberem mais de fato sobre a sua atuação como adulto na formação desses jovens. O que assusta? O que vier a assustar é um alerta, porque é resultado da educação recebida por essas crianças. E já o outro aspecto é parceria. A educação, assim como a gente citou no Cala-Boca Já Morreu, ela é para fora e abrir horizontes, abrir oportunidades para que essas crianças e esses jovens conheçam outros espaços. Sair da escola é muito importante. Ficar dentro da sala de aula e confinar o conhecimento ao programa de rádio e vídeo, seja o que for, podcast, que hoje também está sendo feito na escola, possibilita circular pelo mundo de verdade. Recentemente tivemos uma experiência muito interessante. Na época da pandemia, eu fiz uma consultoria pela Unesco para a prefeitura e para a Secretaria de Educação aqui de São Paulo.
GRÁCIA LOPES LIMA: E nós usávamos só as tecnologias à distância. Não havia a possibilidade da aproximação. E não é que a meninada conseguiu fazer entrevistas nas unidades de saúde dos bairros, entrevistando pelo WhatsApp, profissionais da saúde, usuários da saúde para dizer como é que está a qualidade da saúde na nossa cidade. Isso possibilitou a meninada descobrir coisas incríveis, inclusive que o sistema que nós temos, por maiores que seja as deficiências, é uma das maiores políticas públicas de saúde do mundo. Então, educomunicação deve permitir que as pessoas saiam da escola e não fiquem confinadas. E, por fim, a figura central é o responsável pelo trabalho. Aprender a não ser centralizador e a não deter a autoridade talvez seja a coisa mais difícil de acontecer. Deslocar-se no lugar de ensinar dor, buscando horizontalidade na relação, o que não significa ter relações suaves. Momentos de muita tensão. Por quê? Na vida real, a criança não é separada de adulto. A gente vive tensões e é preciso falar da censura. Agora, isso a gente pode aprender a falar com firmeza, mas com doçura. Então, a pessoa responsável pelos trabalhos de educomunicação tem que estar aberta a também aprender. Não é ensinar as crianças e com as crianças. Aprender. É estabelecer relações humanas respeitosas e assegurar o direito. Só assim a gente pode recuperar o sonho dos anos 60 e 70, via Paulo Freire. Além da gente construir uma sociedade diferente dessa que é cruel, que é desumana, que é individualista, egoísta, maldosa. Não é só construindo e construindo junto, é aprendendo junto. Por isso que a gente diz que educomunicação é sinônimo de educação pelos meios e é sempre uma ação política. Não é para melhorar a qualidade da educação, não é para diminuir violência. É para gente aprender a ser mais humano.
RUI DA SILVA: Exato. Com esta dica final que esperamos que é a educomunicação seja mais usada na escola, que aprendamos todos a ser mais humanos, e tenho a certeza da sua experiência que nos relatou estes projetos que deixam de certeza marcas para o futuro das crianças, para esta construção de seres humanos mais solidários e com o pensamento crítico. E como todos os atos são atos políticos, não é mesmo? Quem diz que é neutro está a tomar uma posição política. Grácia, muito obrigado por ter vindo ao Eduquê, eu agradeço.
GRÁCIA LOPES LIMA: Fico muito feliz pelo convite e fico a disposição para a gente ter outras conversas. Conversar sobre as coisas que nos incomodam? É o melhor caminho da gente rever posturas. Um abraço a todos e todas.
RUI DA SILVA: Grácia Lopes Lima, welcome to Eduquê.
GRÁCIA LOPES LIMA: Thank you very much, Rui, for the good morning. Good evening! Goodnight. It’s a pleasure to be here with you.
RUI DA SILVA: Thank you very much for accepting to be with us. It’s a great pleasure to have you here. Mainly bring up the theme that works isn’t it, Grácia. It works on media studies, which are so many intersections between education and communication. Can you tell us what media studies are? Mainly, for an audience outside Brazil, which, at least for my part, doesn’t have it, nor did I in Portugal, when I heard about media studies… This term came from Brazil and I didn’t really know what it meant. And I assume that our listeners who are, perhaps, outside Brazil also have this doubt. So what are media studies?
GRÁCIA LOPES LIMA: So, media studies are one of the areas of human knowledge and it is an area that is interested in understanding and analyzing the intrinsic and necessary relationships between two different fields: the field of education, this social phenomenon that happens in all societies, in all times of humanity, inside and outside of school, and the social communication that has to do with the resources used to extend the voice of one to many, via radio, via TV and the internet, via technological resources that take the voices and the images further. So, media studies are an interface, it is an area of knowledge interested in understanding this intrinsic relationship. It happens whether we like it or not.
RUI DA SILVA: And can you also tell us the history of this field? Not from this intersection, from this communication that has always existed, but from this field of study. And what makes us different from other proposals that we sometimes see… And what about communication. So, in terms of history, but also what does it bring us new and what can be visible.
GRÁCIA LOPES LIMA: So, in Brazil, it became known in 2011, with the creation of an undergraduate course here at the University of São Paulo. However, to understand media studies, it is necessary to go back in time to access its origin. And we will necessarily go back if we want to. Taking into account that media studies have several conceptions, I will pass on a personal asset as a researcher in the field. To understand what has been called media studies, it is necessary to go back to its source, birthplace, which has to do with the social and political context of the 60s and 70s, especially in Latin America. When we were considered the backyard of the United States, US imperialism imposed itself and even made use of the media to make Latin American countries subject to centralized decisions in that country, which especially marks the birth of communication. It is very uncomfortable with this submission by countries and with this desire to dominate national decisions by all means. Some intellectuals of the time found themselves obliged to critically make known what was being done, especially through television and especially through radio, which was even stronger than television at that time. I will cite here two authors who have a strong connection to this movement, which in the beginning was not called media studies and did not even have a name.
GRÁCIA LOPES LIMA: It was an action with the will to take forward the strength that the United States had to submit countries. They are the authors Paulo Freire, who, on the education side, will say that an educational system was used to teach subservience. That’s why he called banking education, an education that boiled down to memorizing content and knowing content simply to transmit and not to think about it. An alienating education and it alienating… On the one hand, then, Paulo Freire, on the education side, and another author who is not as well known as he should be, who comes from communication called Mario Kaplan, a Uruguayan, with a markedly professional in the area of communication, was director of radio programs, TV programs, knowledgeable of how to produce social communication so that a person’s voice reaches countless people at that time of the 60’s and 70’s. still prevails, are the means of communication, the cheapest form of entertainment for people… And when entertaining, this communication can also, as much as the education to which Paulo Freire was referring to, alienating people, that is, bringing fun – without fun, people go crazy – but contributing to people not understanding critically, because things come to them through the media the way they see it. Then, in the 60s and 70s, also influenced by Liberation Theology, a very important movement of the Catholic Church, which cannot fail to be mentioned…
GRÁCIA LOPES LIMA: she understood that to evangelize people was to evangelize the poor, it was to make the poor, the oppressed strata, understand why they are oppressed. In line with what Paulo Freire will also contribute to our understanding of the pedagogy of the oppressed. In this context, Mário Kaplun decides to make use of everything he learned doing radio, directing and doing TV. He will use these same resources and technologies to ensure that lay people produce communication. So, he brings together farmers from different places who didn’t know each other, especially due to the distance, the difficulty of seeing each other in person. They use radio resources to connect different regions. More than that, to connect farmers from different regions, existed at the time. Maybe you younger ones don’t even know it, but if you put it on the internet, you’ll see. And it’s very interesting. What existed were large tape recorders and cassette tapes side by side. It was using this high technology of the time that Mario Kaplan created what will later be called media studies. He used this simple feature so that groups of farmers would then talk to an A-side recorder. A group of farmers from one region would speak whatever they wanted. This cassette tape was taken by various paths to another region and, in this other region, the person receiving the tape listened to the recording on side A and turned the tape over to side B.
GRÁCIA LOPES LIMA: And I also recorded whatever I wanted. Remember well that they are farm workers. This tape went back and forth, back and forth. As farmers from different regions began to listen to each other and to hear what others were saying, they began to realize that they had commonalities in the way they worked. They began to analyze the relationships with the bosses, the wages received, the living conditions, the working conditions little by little. And this exchange, which was called a cassette, was a forum for dialogue between the regions and allowed Mário Kaplun to understand that the radio, the recorder, was helping people to critically understand the real world and that the means of communication, instead of alienating, was contributing to people becoming subjects and not objects of history. This is how what would later be called media studies was born, which in fact could be summarized as education for critical awareness for autonomy, using the means of communication in this case. At the time, the only resource was a recorder. Updating: any means of communication can allow people to exercise the right to also produce communication.
RUI DA SILVA: It was very interesting this way, and I’m still old enough for cassettes because I also recorded side A and side B. But no, this forum seems very interesting. This story, perhaps for our younger listeners.
GRÁCIA LOPES LIMA: Yes, the younger ones and the older ones too. Not all old people know what we have as a synthesis of what media studies is in its origins and that it was a political action. It wasn’t something that was born to entertain, it wasn’t something that was born out of fashion, but out of the commitment of its creators, based on the social context. This is a great birthmark and that we, including Mariana, have been included since the 90s, which is how we include all people in a political action that means self-awareness, awareness of where you are, of your way of life. and the relationships established.
RUI DA SILVA: Exactly. It is also a space of resistance. It’s not that even cassettes don’t go through this forum. And when you are nowadays, it’s not with the media that we have access with cell phones, etc. Now it’s not, the potential is different. But obviously, what we are here now recording a podcast with this dialogue is not being here in São Paulo. And I, at this moment in Portugal, in Viseu, in the center of Portugal, are here to communicate. We are in this dialogue, but now we are allowing ourselves and we are waiting on the side to listen to side A and side B we can interact in real-time, and maybe, now moving forward… Looking at, for example, the episodes we released recently. We launched an episode about education and colonization. We are in this season of our podcast, in this second season of Eduque, trying to look at other practices. And I think that what you described shows how media studies can collaborate in this process. In the 1990s, when he spoke, it was the issues of American imperialism, it can also be used for these processes of decolonization, education, etc. You can give us examples of how media studies are currently taking place and taking into account this evolution also of technological means, but also of the various urban spaces of the various media studies discussion forums.
GRÁCIA LOPES LIMA: Originally, he was born out of school, he was born in society, including adults, not necessarily literate. Over time, these evident approximations between social communication, educating people of communication as a necessary approximation between education and social communication. We have seen that academics and professionals in the field of education are interested in trying to bring these principles into the school. So, today we see media studies closely linked to school education, formal education, taking hold in São Paulo, for example. In Brazil, we have an experience, from 2000 to 2004, of training education professionals, directors, coordinators, including students, to try to approximate what we mentioned that Mário Kaplun did. That is, to use radio technologies so that people listen to each other, listen and thus listen to others and organize themselves in order to build a solidary society, open to dialogue and promoting rights. When you arrive at school, things get complicated, because there’s no way we can forget that the whole school is based on the governmental political model to serve the system. This is undeniable. Depending on the type of system and the type of education. What’s up? What still happens, unfortunately, is that this experience of Mario Kaplun still does not develop as it could be, due to difficulties, bureaucratic entanglements and typical of the school educational system, which is being tied to school contents.
GRÁCIA LOPES LIMA: When we go back to the origins of media studies, there was no curriculum, there was nothing else. If there is no need to talk about real life outside the spaces on one side. And there was, on the other hand, the interest of those who were in the coordination to promote a debate about the things of life. Now, the school, unfortunately, does not deal with the issues of life. As much as she looks for methodologies, she still has a prison in the contents, in the curricula. So today we see very interesting works, but still maintaining many characteristics of formal education. What does it boil down to? When there is a teacher who fears the direction of communication, which the students can perform and who fears the reaction of parents, he fears the reaction of the director for the contents provided by the mouths of the children and adolescents. So we have to recognize that it is a big step to enter the school of communication, but it is necessary to look critically at what kind of media studies is being carried out without major advances, for sure, in São Paulo. This work is from 2001 to 2004 and has become a fantastic public policy. It has undeniable potential, but much progress is still needed for us to be able to transform boys and girls into domestic subjects and not obedient ones.
RUI DA SILVA: As we know that Grácia was involved in projects, we also know that, in practice, not all of these processes are linked to this curriculum. And this formatting by the teacher can you share with us, for example, the trajectory of the Cala a Boca Já Morreu project? It’s not, that we know that Grácia was involved and Mariana is with us, from the production of this podcast, she was involved and our listeners who were interested can listen to our “mother podcast”, the Fresh-Ed, and they can listen to an episode very interesting, where she talks about the journey and talks about this project Cala a boca Já Morreu. But maybe coming back to you, you can then share this journey… The Cala a Boca Já Morreu project… And maybe starting, I ask for those who are here in Portugal, the name Cala a Boca Já Morreu. Where does he come from? Because to us this name tells us, I know it is linked to children’s play and games, but maybe start there, if you want and then explain to us this path and how this project is perhaps linked to this more emancipation and creation of subjects which is one of the purposes of media studies that they explain to us.
GRÁCIA LOPES LIMA: Talking about the Cala-Boca Já Morreu project is a way of renewing hope, because at the time we didn’t even know that media studies existed, very interesting. At the time, we were two teachers, that is, from the area of education, restless with education. And in our region there was a community radio different from the hegemonic communication of the big media, in the hands of big businessmen, which has the purpose of strengthening small communities. Cala-Boca Já Morreu was born as a radio program. In 1995, here in the west of São Paulo, a partnership was born that is a very important point to be highlighted as necessary when thinking about media studies. For emancipation, alone, we can’t handle people’s education. It is necessary to be together. The more people involved, the greater the possibility of us promoting a good education for the kids out there. In 95, then, we approach a community radio and gather a group of children of different ages. We had children from 7 to 12 years old who graduated as follows: I get excited and delighted, because the way they were born is wonderful. Two children, first a boy and a girl, begin to invite others to do a radio program. And I was a teacher. The children themselves end up forming a heterogeneous group of ten different schools, different ages and very different sociocultural realities.
GRÁCIA LOPES LIMA: There were what they called at the time rich children and poor children, all in the same group. And we did a radio show every Sunday on Rádio Cidadã, this community station in Jardim Bonfiglioli, under the direction of Lucy Martins. What were these programs, in the meeting that was called production with the children, at Instituto Gens, for which Donizete Soares and I were responsible? The children defined the subject of the radio program and the subject was aired in the form of conversations and comments, answering phone calls and on the chosen topic. For a long time, the topics dealt with existential issues, issues such as the relationship between siblings, relationship with parents, test days, life issues, concrete material from this writing. Interestingly, the program did not have a target audience limited to children. We had an audience that called the volunteer radio a lot of different ages. Many voices followed, grandmothers and cooks followed the programs, and children too. Gradually, the existential themes were exhausted. And then, about what the group will want to talk about now, when this happens, almost a year has passed since the experience and the children began to choose themes for other themes, for programs and so on, to avoid competition and avoid envy. That exists between children is also not competition, envy, are always present. Children could choose to be the anchor of a segment, of a part of the program and anchor did not mean the most important person in the segment, anchor and the one who would prevent the boat from drifting, hold the boat in the chosen theme for the segment.
GRÁCIA LOPES LIMA: And then there were segments. Mariana Casellato, who is in the production of this podcast and, for example, made a beautiful segment called Leitura da Hora. For example, one of the segments she was able to anchor was called Leitura da Hora, which means Legal Reading, which was a segment in which the group, under Mariana’s anchor, could comment on the books she was reading. And then there’s another important aspect of partnerships, which was getting publishers to send us books and the kids would read all the books a lot before an author came to talk to them in the studio. The conversations with the authors of this specific segment were about the books that the children had actually read because they wanted to read and not because the teacher told them to. This was a segment. We had the Criança Ecologia segment, we had the Hot News segment and the Hot News segment. It was a segment to comment on things that shocked children’s feelings, emotions, such as, for example, the ruin that happened in the explosion of a mall in the region. So the program Cala-Boca Já Morreu ended up being a radio program that showed that children have something to say about any subject, as long as they are in a group and they don’t feel individualistic.
GRÁCIA LOPES LIMA: Nobody makes a good program alone. So, the group made a good program. As time went by, it didn’t take long for these Sunday productions to become known and we started to receive provocations. After the radio program, another provocation from the children’s group appeared: we already do a radio program, why don’t we do a newspaper? Why are children’s newspapers always made by adults? Then a new partnership takes place. We got a director from a large network of neighborhood newspapers and he made an insert for the Cala-Boca Já Morreu newspaper, which was distributed to homes and established a real dialogue between children and the public. Both the newspaper and the radio program had the direct hand of the children, choice of theme, duration of segments, names of the parts that made up the program, the newspaper, the locution and another aspect that was the technical aspect of recording the programs. Newspaper typing was done by the children themselves and, amazingly, at the time we only had one computer and ten children to type the articles. That was the second provocation we received. Then came a third. Do you already deal with the language of the radio? You already work with the language of the printed newspaper… No community TV. Why don’t you try making TV? We got a new partner and then the children were able to hold a camera and record around the neighborhood.
GRÁCIA LOPES LIMA: Professional cameras, professional microphone. And we started to learn to make television. We even made five programs that were actually broadcast, as the children said, on the community channel in the city of São Paulo. This set of three activities led us to say we have just put together a project, an education project that shows us that the media serve to educate children, not to be vain, not to be the prettiest, not to be artists. That was not the intention. The intention was that they felt pleasure in learning and were extremely curious about everything we wanted, just to name. And then I don’t want to go on too long, because I love recovering this story. Once, the children wanted to talk about snakes in the Criança Ecologia segment, and then we agreed. What do you want to talk about? Study and review what you learned in school about snakes. But we also want to interview someone on this subject and we managed to take it to the radio studio of Rádio Cidadã. The director of the educational division of the Butantã Institute to talk to children about the topic. And isn’t it that the questions made this possibility of education through the media more alive? In one of the questions asked by teacher Marcos Ferreira, a child asks: Marcos, does a snake close its eyes to sleep? As a teacher in my head, that’s a question to ask!
GRÁCIA LOPES LIMA: What a shame! What question! Professor Marcos smiles and says: the snake doesn’t close its eyes to sleep because it doesn’t have eyelids. And even? And me too. As adults, I didn’t know. I learned. And then another question: Marcos, does the snake get cold? Does the snake have the flu? And me again: my God, if that’s a question, ask yourself! And Professor Marcos clarifies, laughing with complete satisfaction. Look, the snake, get sick, yes. Cobra has the flu, yes, it’s at the Butantã Institute. Because of this, there is a quarantine room where snakes go to take antibiotics and leave only after they are well. Professor Marcos says to this day that he is used to granting interviews through the Butantan Institute to international organizations, and considers this the best interview he has given. Because the questions the children asked, the comments linking them to mythology, were made out of curiosity and the desire to know, and not simply to fill an empty space. So Cala-Boca Já Morreu gathered the children. We stayed together for many years without rooting for them to be broadcasters, communicators. That was not our intention. At the end of a good time of life, we see. Each one has discovered their vocation and they are in the most diverse areas of activity. And taking forward the emotion of that time of education formation, the years.
RUI DA SILVA: Thank you Grácia for telling us about this rich experience and in fact, who doesn’t deal with children as if they were subjects and who doesn’t know exactly what children’s curiosity is like… And the questions they ask are usually interesting and give us another perspective. But what remains to be explained to listeners who don’t know: what is Cala-Boca Já Morreu? Why this name?
GRÁCIA LOPES LIMA: It’s an expression that we discovered exists everywhere. Shut up and be quiet. Don’t comment on things. If you are a child, this is not a child’s business. If you’re old, you’re already old-fashioned. You have nothing to say. So shut up. And then, to deny this desire to shut people up, the opposite arises: “shut up”, this phase is already dead, it’s over. We have the right to say whatever we want, with all due respect. Everything we feel and think. And then Shut up is already dead. The project has a subtitle that: Cala-Boca Já Morreu – What do we also have to say?
RUI DA SILVA: As we know, children always have something to say, as long as they have this space and are treated with that respect and are not treated as not being subjects or not treated as objects.
GRÁCIA LOPES LIMA: When reading Mário Kaplun, we see very interesting reports, very similar to what we saw in Cala-Boca Já Morreu, women farmers in the group, all collective. This is important data. Many women when doing radio programs were quiet because they felt they had no right to speak the way they knew how to speak and were silent. Only gradually did they acquire this facility, this possibility of transforming into words, concerns, dreams, etc.
RUI DA SILVA: So there are no right and wrong questions, there are questions and curiosity. And it is very interesting to have mentioned Paulo Freire. I also remind our listeners who didn’t listen to the first season of our podcast: we have four episodes dedicated to Paulo Freire. If you haven’t heard, I suggest that you will. There is talk of this issue of banking education and the return of the pedagogy of the oppressed. And you can make several connections to what Grácia told us here about what communication is all about. The conversation is very good, but unfortunately we are coming to an end and maybe as the end of our conversation… Maybe the question I leave you is I think that from what we have been hearing, it has already left some clues, it has already left some clues that it is based on this experience of yours, this long experience of yours. And what advice do you give to those on the front lines of education? You’ve already talked about very important things, haven’t you? You said in partnership, you can’t do anything alone. A partnership, in the truest sense of the word. But what advice do you give to those who are at the forefront of education to implement media studies projects or have projects that aim at this philosophy?
GRÁCIA LOPES LIMA: Some aspects that are essential for us. First, productions have to be collective. Unfortunately, the school still chooses to speak on the radio, with the best student in the room appearing in the video, with more ease. When this happens, it strengthens individualism, vanity, the rift between those who cannot be disconnects them. Media studies at school require them to understand that productions have to be collective, first. Second, with the productions, which have to start from themes raised by the children’s desire to know. Issues from this point of view are not delegated as we speak of communication as synonymous with education through the media. It has to be born from the children’s will, from the young people to know what is the subject that children and young people want to talk about. Third, it requires coordinators, those responsible, not to fear what will come as content. What will come will serve for children to get to know each other more, for young people to know each other more and also for adults to know more about their role as adults in the formation of these young people. What scares? What comes to scare is a warning, because it is a result of the education received by these children. And the other aspect is partnership. Education, as we mentioned in Cala-Boca Já Morreu, is about going out and opening horizons, opening up opportunities for these children and young people to get to know other spaces. Leaving school is very important. Staying inside the classroom and confining knowledge to the radio and video program, whatever it is, podcast, which today is also being done at school, makes it possible to truly circulate around the world. We recently had a very interesting experience. At the time of the pandemic, I did a consultancy through Unesco for the city hall and for the Secretary of Education here in São Paulo.
GRÁCIA LOPES LIMA: And we only used remote technologies. There was no possibility of approaching. And it’s not that the kids managed to do interviews in health units in the neighborhoods, interviewing health professionals, health users via WhatsApp to say how the quality of health is in our city. This made it possible for the kids to discover incredible things, including that the system we have, no matter how great the deficiencies, is one of the greatest public health policies in the world. So, media studies must allow people to leave school and not be confined. And finally, the central figure is responsible for the work. Learning not to be centralized and not to hold authority is perhaps the most difficult thing to happen. Moving in the place of teaching pain, seeking horizontality in the relationship, which does not mean having smooth relationships. Very tense moments. Because? In real life, the child is not separated from the adult. We live in tensions and we need to talk about censorship. Now, we can learn to speak firmly, but with sweetness. So, the person responsible for media studies works has to be open to also learn. It is not teaching children and with children. Learn. It is to establish respectful human relationships and ensure the right. Only in this way can we recover the dream of the 60s and 70s, via Paulo Freire. In addition to building a society different from the one that is cruel, that is inhuman, that is individualistic, selfish, evil. It’s not just building and building together, it’s learning together. That’s why we say that media studies is synonymous with education through the media and is always a political action. It is not to improve the quality of education, it is not to reduce violence. It is for us to learn to be more human.
RUI DA SILVA: Exactly. With this final tip, we hope that media studies are more used at school, that we all learn to be more human, and I am sure from your experience that you have told us about these projects that certainly leave marks for the future of children, for this construction. of human beings with more solidarity and critical thinking. And since all acts are political acts, right? Anyone who says they are neutral is taking a political position. Gracia, thank you so much for coming to Eduquê, I appreciate it.
GRÁCIA LOPES LIMA: I am very happy for the invitation and I remain at your disposal. for us to have other conversations. Talk about the things that bother us? It is the best way for us to review postures. Regards to each and everyone.
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